terça-feira, 30 de agosto de 2016

OLIMPITACOS X


A pira mal esfriou e outra chama arde nas redes sociais: a comparação entre os comportamentos de Neymar, ouro no futebol, e Serginho, ouro no vôlei, após suas conquistas.
Não há como comparar os dois. Suas realidades são tão diversas como água e óleo.
Nenhum esportista, por mais popular que a modalidade seja, jamais poderá ser comparada a um craque do futebol. Ainda mais se o jogador em questão tiver alcançado o upgrade dos clubes europeus que o torna mundialmente idolatrado.
Idolatria, por sinal, é um termo que se encaixa bem nadiscussão que virá a seguir. Segundo o Dicionário Aurélio (o bom e velho Aurélio de capa despencada aqui de casa), idolatria significa: Adoração dos ídolos, amor excessivo,
culto prestado ao que não é Deus.
Um jogador que alcançou o patamar de ídolo globalizado pode não ser Deus, mas por vezes é quase tratado como tal pela mídia (e o amigo Ronaldo Helal explica isso muito melhor do que eu).
Seria um semideus, talvez.
A genialidade lhe é atribuída. Jornais e cronistas decantam sua "arte" e o tratam com astro. Termos tão utilizados que nos levam a perder a real noção do que o que realmente representam.
Uma favorável conjugação de fatores somada ao talento com a bola nos pés fez do franzino menino um superstar.
Vejamos: nasceu em Mogi das Cruzes, mas por contingências da vida foi parar em Santos, onde aos 11 anos entrou nas categorias de base do time que tem Pelé como sinônimo. Sua habilidade o fez subir os degraus do mundo da bola até aparecer no time principal em 2009. Arisco, logo chamou a atenção e foi eleito revelação do campeonato paulista e, até por usar o mesmo uniforme, sugerido como possível herdeiro do talento do Rei. No ano seguinte, o Santos levantaria a taça estadual e às vésperas da Copa uma campanha da mídia, ecoada pela população e até por uma fábrica de presunto e salsichas, o exigiu na Seleção ao lado do companheiro Paulo Henrique Ganso. Os ídolos mais recentes do futebol brasileiro, Romário e Ronaldo, tinham ficado para trás e se buscava alguém para o post, então, vago. Não foi para a África do Sul e só três anos depois, numa aposta de risco calculado de seu pai e empresário, foi parar na Espanha, mais precisamente no Barcelona para ser parceiro do glorificado Lionel Messi. O valor divulgado da negociação foi de 57 milhões de euros, mas o valor total da transação ultrapassou os 80 milhões de euros entre luvas e acordos de marketing. Fora isso, se descobriu depois que ainda em 2011 o pai do jogador recebera a bagatela de 10 milhões de euros do clube catalão para não negocia-lo com ninguém mais após o fim do contrato com o Santos. A história deu a maior confusão e o presidente do Barça, que deu o aval para o negócio, caiu.
Neymar, hoje é o terceiro jogador de futebol mais bem pago do mundo. Segundo a revista Forbes o jogador ganha 43 milhões de reais por ano (ou 3,6 milhões de reais ao mês) entre salários e contratos publicitários. É garoto propaganda de anunciantes internacionais, porque é um craque globalizado de um time globalizado, e de nacionais, já que é considerado por parte da mídia como "o único grande craque do futebol brasileiro no momento".
Com toda essa unanimidade, como aceitar críticas? Já não as aceitava quando ainda cheirava a leite, assim que chegou ao Santos. Por que aceitá-las agora, se mesmo a "imprensa especializada" quando faz ressalvas a seu comportamento ou desempenho, logo adiante volta a se derramar em elogios e salamaleques?
Na cabeça desse rapaz de 24 anos que vê o mundo aos seus pés, ele tem todo o direito de fazer o que bem entender, até mesmo de bater boca e ofender torcedores que o criticavam durante a final olímpica no Maracanã.


Deuses, semideuses, astros, gênios e superstars não estariam sujeitos a questionamentos.
Posto isso, como comparar o comportamento de Neymar e Serginho?
O segundo é só um líbero da seleção de vôlei com os resultados mais expressivos de toda história olímpica (3 ouros e 3 pratas), só comparada à União Soviética (3 ouros, 2 pratas e um bronze). Das seis medalhas brasileiras, Serginho tem 4 e seguidas (Atenas, Pequim, Londres e Rio de Janeiro).
Para complementar o currículo, ainda tem dois ouros em Pans, dois títulos do Mundial e mais dois da Copa do Mundo de Vôlei, além de sete títulos da Liga Mundial.
Mas Serginho, que já foi eleito o melhor líbero do mundo joga voleibol.
É adorado pela torcida? Sim, mas não é ídolo na mesma acepção da palavra quando essa é usada para definir um jogador de futebol.
E ele sabe disso.
Findados os Jogos do Rio, o homem que aquele garoto criado na favela de Pirituba se tornou, diz que só quer agora retomar a aposentadoria que tinha largado pelo sonho do ouro na Rio 2016, pegar o filho na escola e voltar ser apenas o filho da Dona Didi.
Poderia parecer uma declaração demagógica, mas apenas para quem não viu o que se sucedeu no Maracanãzinho após a dura vitória de 3x0 sobre a Itália na final olímpica. A falta de condições de cantar o hino e o choro sincero dele e do levantador William, no alto do pódio são os atestados de sinceridade.
Neymar também chorou, é verdade, compulsivamente, ao fim da partida. A pressão era muita, mesmo para quem é aclamado todos os dias como um "fora do normal". A decepção da prata de Londres, o fiasco da Copa em casa, as críticas iniciais e até mesmo a braçadeira de capitão deviam estar sendo um fardo pesado demais.
Mas logo a auto-confiança estava restaurada, a ponto de responder àqueles que não coadunam com sua unanimidade, afirmando que terão que engoli-lo.
Não pretendo.
Sou mais o Serginho.


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