terça-feira, 9 de agosto de 2016

OLIMPITACOS III

Ah, essas tais redes sociais...
Tão tentadoras...
Tão sedutoras...

Bastam algumas teclas apertadas e uma opinião se torna pública. Dependendo do número de seguidores, se espalha, viraliza. E se o teor da postagem for explosivo, polêmico, verborrágico, a repercussão ganha ainda mais eco.

Deve ser por isso que boa parte daqueles que buscam reconhecimento no mundo virtual estejam sempre com uma metralhadora destravada e engatilhada.

Os atingidos por essas rajadas parecem ser considerados vítimas inevitáveis no conflito dos egos virtuais. Afinal, se há uma guerra, há feridos. E mortos...
Para essas pessoas, matar uma reputação é apenas um efeito colateral. O importante é bater no peito, bradar pelo direito de expressar a própria opinião e sentar bala.

Mas, como se diz por aí, o direito de um acaba quando afronta o direito do outro.

Essa introdução toda é para falar sobre uma mulher negra criada em um bairro chamado Cidade de Deus. Uma mulher que, aos 20 anos de idade sentiu na pele e na alma toda a ira de uma parte tacanha e preconceituosa da nossa sociedade. Uma mulher que teve que juntar os cacos para não se deixar abater e treinar, treinar muito, para calar essas pessoas.



Quando você chama um negro de macaco e diz que ele deveria estar em uma jaula ao invés de pisar no “sagrado” solo olímpico, você pode achar que está apenas fazendo graça, que seus amigos vão te achar irônico ou sagaz e pode ser que eles até achem mesmo. Afinal, gente assim se cerca de iguais. Mas quando você tira esse raciocínio imbecil gerado por seus neurônios e os expõe publicamente está cometendo um crime: injúria racial. E essa mulher chamada Rafaela Silva, judoca, medalha de ouro nos Jogos Rio 2016 foi vítima desse crime, cometido não apenas por uma pessoa, mas por muitas.

Quatro anos atrás, a atleta fora desclassificada por ter aplicado um golpe que os juízes julgaram ilícito. A desclassificação a levou direto para o paredón. Sem dó nem piedade foi alvejada por ofensas de pessoas totalmente leigas no assunto, mas que sentiram-se à vontade para libertar sua ira contra uma representante, segundo eles, indigna das “valorosas cores da pátria”. E mesmo aqueles que não a ofenderam por sua cor de pele, colocaram em dúvida sua honra como esportista.


Foi o caso da blogueira e tuiteira Dri Caldeira que comanda o Canelada FC, classificado por ela mesmo como “o maior e melhor blog independente sobre futebol brasileiro e internacional”. Mal acabou a prova nos Jogos de Londres, enquanto Rafaela ainda chorava nos braços de sua treinadora, a moça disparou pelo Twitter: “Cara, que vexame. Não te ensinaram a jogar limpo? Mais uma que foi para fazer o Brasil passar vergonha e chorar”.

Conseguiu seu intuito. Ganhou manchetes.

Mas nada como um dia após o outro com muitas noites no meio.
As lágrimas de hoje, de Rafaela Silva, foram de alegria, para desgosto daqueles que a crucificaram na Olimpíada passada. Gente que teve que ouvir calada o desabafo da judoca.


Lógico que isso não vai mudar em nada o comportamento dessas pessoas. Vão continuar a ser preconceituosas, venenosas, venais. No entanto, elas passarão e Rafaela Silva ficará.
A judoca já faz parte da histórica olímpica desse país que não olha por seus atletas, que tem um incipiente trabalho de base em quase todas a modalidades, mas que se sente à vontade para cobrar deles desempenhos de primeiro mundo a cada quatro anos.

Rafaela Silva é exceção.

Poderíamos ter tantas outras no judô, no remo, no tênis, no basquete, no atletismo, porém estamos ainda muito longe dessa realidade. Meninas pobres, de comunidades carentes de todo o Brasil ainda terão que contar com a sorte, ou o destino, quem sabe, para continuar a vencer suas lutas não só contra as adversárias, mas contra a injustiça social e, principalmente, contra o preconceito.

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