terça-feira, 30 de agosto de 2016

PARALIMPITACOS II



Para que existem Paralimpíadas?
Aposto que você já pensou nisso...
Por que mobilizar tanta gente para competições entre pessoas com deficiência?
Pois paremos um pouquinho para pensar na resposta, ou melhor, nas respostas para essa pergunta.

A disputa esportiva entre pessoas com algum tipo de mutilação ou deficiência  começou logo depois do fim da Segunda Grande Guerra, na Inglaterra. Os Jogos de Stoke Mandeville começaram no mesmo dia em que os Jogos Olímpicos de Londres, em 1948. Foi a forma encontrada por um médico alemão para reabilitar e inserir aqueles cidadãos de volta na sociedade, além de mostrar que incapacidades físicas não os faziam seres humanos menores.

O movimento cresceu e, em 1960, em Roma, a Paralimpíada passou a acontecer na mesma cidade em que eram realizados os Jogos Olímpicos. Foram 400 atletas de 23 países. Não havia mais volta. Os Jogos Paralímpicos tinham vindo para ficar.

Ok, fiz uma viagem no tempo, mas não respondi à pergunta aí de cima. Na verdade, apenas criei o solo para ela brotar.

A Paralimpíada é uma competição esportiva de alto nível.
Não acredita? Então desafie Daniel Dias para uma disputa de 50 metros na piscina... Monte na sua bicicleta e bata um pega com o Alex Zanardi, ex-piloto de Fórmula 1, agora campeão paralímpico do ciclismo...




E se você ainda não está convencido e acha que os Jogos Paralímpicos são um prêmio de consolação para  os "coitadinhos dos aleijados", sugiro que assista às duas edições do Caminhos da Reportagem que fizemos este ano sobre nossos atletas.

https://www.youtube.com/watch?v=LMy-Hb2zoqI
https://www.youtube.com/watch?v=DNqQh86SqM4

Ou então ao documentário Paratodos, disponível no Netflix.


Duvido que você não se surpreenda. Duvido que você não mude a sua forma de encarar esses atletas, que muitas vezes são chamados de super-humanos, tal desempenho que conseguem, mesmo com seus problemas. É assim que uma campanha do britânico Channel 4 os trata.

https://www.youtube.com/watch?v=IocLkk3aYlk


Ficou chocado? Achou agressivo?
Talvez então o problema não seja bem deles e sim seu, que não consegue ver normalidade nas diferenças.
Essas pessoas por mais "fora do normal" (e o conceito normal é extremamente difuso e confuso) que possam parecer, são seres humanos como eu ou você que temos cabeça, tronco e membros razoavelmente intactos.

E aí você pode me perguntar: se eles são atletas como outros, porque não há uma única competição? Pois saiba que já tem muita gente defendendo este ponto de vista. Se não disputando a mesma prova, pelo menos um evento único.
Alguns atletas paralímpicos já se aventuram nas competições regulares. O velocista Oscar Pistorius foi um dos pioneiros.  Aqui no Rio, três atletas que competirão na Paralimpíada estarão, na verdade, retornando à cidade.  A arqueira iraniana Zhara Nemati  e as mesa-tenistas Natalia Partyka (Polônia) e Melissa Tapper (Austrália) também disputaram os Jogos Olímpicos deste ano.





Então, chego à primeira resposta.
Os Jogos Paralímpicos servem como uma oportunidade para que esses grandes atletas, atletas de alta performance, compitam entre si.

Mas há um outro motivo.
A Paralimpíada é transmitida para boa parte do mundo, embora numa escala bem menor (no Brasil, a única emissora aberta a transmitir as competições será a TV Brasil). Além disso, atrai centenas de milhares de pessoas às disputas. Pessoas que terão oportunidade de ver de perto, a imensa maioria pela primeira vez, o que esses atletas têm a oferecer. Ver como podem ser empolgantes e emocionantes essas competições. E rever seus conceitos sobre a deficiência e sobre nossas diferenças. Uma criança que descobre isso desde cedo provavelmente será bem menos discriminatória do que nós.
Isso é um avanço grandioso.

Não se deixe derrotar pelo preconceito, por que se depender desses caras, sua cabeça vai mudar.



PARALIMPITACOS I


Sabem aquele trecho da Bíblia no qual Jesus manda que atire a primeira pedra aquele que não pecou? Pois bem, ele não se aplica às mídias sociais.
Parece que o estilingue (ou bodoque, como queiram) está sempre à mão e o bolso cheio de pedras. Basta qualquer polêmica para que o apedrejamento comece. Aliás, na falta de uma, cria-se.
Foi assim com a campanha de apoio à Paralimpíada, que começa dia 7 de setembro, no Rio, feita pela revista Vogue. A foto em que os atores Paulinho Vilhena e Cleo Pires aparecem vestidos como atletas e com membros amputados criou uma enorme celeuma.
As acusações foram várias, desde o preconceito da revista por não usar atletas de verdade, numa tentativa de amenizar a questão até os atores terem usado a foto para se promoverem em cima do evento. E é claro que essas críticas, em sua enorme maioria, não foram educadas, descambando muitas vezes para ofensas pessoais.



Hoje em dia a crítica só pelo ato de criticar é cada vez mais comum. E a busca de argumentos, mesmo que não necessariamente pertinentes, para justificar o linchamento é prática corrente.
Uma das críticas afirmava que a revista seria reincidente em termos de preconceito já que num ensaio sobre moda africana não usara modelos negras.
Não se viu, ou não se quis ver, que os atletas que tiveram seus corpos mesclados ao dos atores atrav´s do Photoshop também estavam presentes na reportagem, que a inciativa partiu de Cleo Pires, embaixadora dos Jogos, e que teve apoio dos próprios atletas.
Implicou-se até mesmo com a hashtag #somostodosparalímpicos.
O que me parece é que a foto surtiu seu efeito, chamou atenção para a Paralimpíada e para a importância de comprarmos ingressos (infinitamente mais baratos do que os dos Jogos Olímpicos) e apoiarmos os Jogos e nossos atletas, que por sinal se saem muito bem, principalmente em modalidades individuais como o Atletismo e a Natação.
O medo do diferente é poderoso e acho que mais uma vez ele se manifestou nessa polêmica.
Medo e preconceito...
Mas sobre isso falarei em futuros pitacos.

OLIMPITACOS X


A pira mal esfriou e outra chama arde nas redes sociais: a comparação entre os comportamentos de Neymar, ouro no futebol, e Serginho, ouro no vôlei, após suas conquistas.
Não há como comparar os dois. Suas realidades são tão diversas como água e óleo.
Nenhum esportista, por mais popular que a modalidade seja, jamais poderá ser comparada a um craque do futebol. Ainda mais se o jogador em questão tiver alcançado o upgrade dos clubes europeus que o torna mundialmente idolatrado.
Idolatria, por sinal, é um termo que se encaixa bem nadiscussão que virá a seguir. Segundo o Dicionário Aurélio (o bom e velho Aurélio de capa despencada aqui de casa), idolatria significa: Adoração dos ídolos, amor excessivo,
culto prestado ao que não é Deus.
Um jogador que alcançou o patamar de ídolo globalizado pode não ser Deus, mas por vezes é quase tratado como tal pela mídia (e o amigo Ronaldo Helal explica isso muito melhor do que eu).
Seria um semideus, talvez.
A genialidade lhe é atribuída. Jornais e cronistas decantam sua "arte" e o tratam com astro. Termos tão utilizados que nos levam a perder a real noção do que o que realmente representam.
Uma favorável conjugação de fatores somada ao talento com a bola nos pés fez do franzino menino um superstar.
Vejamos: nasceu em Mogi das Cruzes, mas por contingências da vida foi parar em Santos, onde aos 11 anos entrou nas categorias de base do time que tem Pelé como sinônimo. Sua habilidade o fez subir os degraus do mundo da bola até aparecer no time principal em 2009. Arisco, logo chamou a atenção e foi eleito revelação do campeonato paulista e, até por usar o mesmo uniforme, sugerido como possível herdeiro do talento do Rei. No ano seguinte, o Santos levantaria a taça estadual e às vésperas da Copa uma campanha da mídia, ecoada pela população e até por uma fábrica de presunto e salsichas, o exigiu na Seleção ao lado do companheiro Paulo Henrique Ganso. Os ídolos mais recentes do futebol brasileiro, Romário e Ronaldo, tinham ficado para trás e se buscava alguém para o post, então, vago. Não foi para a África do Sul e só três anos depois, numa aposta de risco calculado de seu pai e empresário, foi parar na Espanha, mais precisamente no Barcelona para ser parceiro do glorificado Lionel Messi. O valor divulgado da negociação foi de 57 milhões de euros, mas o valor total da transação ultrapassou os 80 milhões de euros entre luvas e acordos de marketing. Fora isso, se descobriu depois que ainda em 2011 o pai do jogador recebera a bagatela de 10 milhões de euros do clube catalão para não negocia-lo com ninguém mais após o fim do contrato com o Santos. A história deu a maior confusão e o presidente do Barça, que deu o aval para o negócio, caiu.
Neymar, hoje é o terceiro jogador de futebol mais bem pago do mundo. Segundo a revista Forbes o jogador ganha 43 milhões de reais por ano (ou 3,6 milhões de reais ao mês) entre salários e contratos publicitários. É garoto propaganda de anunciantes internacionais, porque é um craque globalizado de um time globalizado, e de nacionais, já que é considerado por parte da mídia como "o único grande craque do futebol brasileiro no momento".
Com toda essa unanimidade, como aceitar críticas? Já não as aceitava quando ainda cheirava a leite, assim que chegou ao Santos. Por que aceitá-las agora, se mesmo a "imprensa especializada" quando faz ressalvas a seu comportamento ou desempenho, logo adiante volta a se derramar em elogios e salamaleques?
Na cabeça desse rapaz de 24 anos que vê o mundo aos seus pés, ele tem todo o direito de fazer o que bem entender, até mesmo de bater boca e ofender torcedores que o criticavam durante a final olímpica no Maracanã.


Deuses, semideuses, astros, gênios e superstars não estariam sujeitos a questionamentos.
Posto isso, como comparar o comportamento de Neymar e Serginho?
O segundo é só um líbero da seleção de vôlei com os resultados mais expressivos de toda história olímpica (3 ouros e 3 pratas), só comparada à União Soviética (3 ouros, 2 pratas e um bronze). Das seis medalhas brasileiras, Serginho tem 4 e seguidas (Atenas, Pequim, Londres e Rio de Janeiro).
Para complementar o currículo, ainda tem dois ouros em Pans, dois títulos do Mundial e mais dois da Copa do Mundo de Vôlei, além de sete títulos da Liga Mundial.
Mas Serginho, que já foi eleito o melhor líbero do mundo joga voleibol.
É adorado pela torcida? Sim, mas não é ídolo na mesma acepção da palavra quando essa é usada para definir um jogador de futebol.
E ele sabe disso.
Findados os Jogos do Rio, o homem que aquele garoto criado na favela de Pirituba se tornou, diz que só quer agora retomar a aposentadoria que tinha largado pelo sonho do ouro na Rio 2016, pegar o filho na escola e voltar ser apenas o filho da Dona Didi.
Poderia parecer uma declaração demagógica, mas apenas para quem não viu o que se sucedeu no Maracanãzinho após a dura vitória de 3x0 sobre a Itália na final olímpica. A falta de condições de cantar o hino e o choro sincero dele e do levantador William, no alto do pódio são os atestados de sinceridade.
Neymar também chorou, é verdade, compulsivamente, ao fim da partida. A pressão era muita, mesmo para quem é aclamado todos os dias como um "fora do normal". A decepção da prata de Londres, o fiasco da Copa em casa, as críticas iniciais e até mesmo a braçadeira de capitão deviam estar sendo um fardo pesado demais.
Mas logo a auto-confiança estava restaurada, a ponto de responder àqueles que não coadunam com sua unanimidade, afirmando que terão que engoli-lo.
Não pretendo.
Sou mais o Serginho.


OLIMPITACOS IX




Alguém escreveu no Facebook que se durante a manhã, com tantas nuvens e chuva fina, o tempo parecia triste com o último dia dos Jogos, com o vendaval da tarde, se mostrava revoltado com a proximidade da cerimônia de encerramento.
Concordo. Tanto com quem escreveu, como com o tempo.
É duro aceitar que os Jogos terminam nesse domingo.
Foi tanta a expectativa e, de repente, tudo já passou.
Mas como foi bom. Bom, não, bom demais.
Não só as competições, mas viver o clima olímpico no dia a dia.
Esbarrar com "patrícios" eslovenos e ganhar bandeirinha da terra do meu avô em pleno metrô. Dar de cara com integrantes da delegação de Lichtenstein na porta de casa. Tomar um gim tônica legítimo na British House. Torcer pela dupla de badminton da Malásia junto com animadíssimos malaios. Tirar onda de árabe na filial do Qatar. Ajudar francesa na lanchonete, americano no ônibus e paulistas no trem. Ver Bolt brilhar no Niltão. Assisitir de perto a dois top ten do tênis mundial. E me encantar com a precisão quase absurda de Simone Biles.
Isso e muito mais.
Profetas do caos disseram que passaríamos vergonha. Não tinha qualquer temor quanto a isso. As instalações ficaram prontas, a rede de transporte (mal e porcamente também), os organizadores estão carecas de fazer Jogos e, principalmente, os cariocas sabem garantir uma bela festa.
É assim no Carnaval, é assim nos Reveillons.
Foi assim no Pan, na JMJ, na Copa...
Gostamos de receber e fazemos isso com o coração aberto. Pergunte a quem veio de fora, e não só do exterior.
Para um balneário decadente, como algumas pessoas insistem em nos classificar (e não tenho como não ver uma ponta de inveja na definição), creio que demos conta do recado, que atendemos às expectativas daqueles que vieram aqui não só pelas competições esportivas, mas para conhecer uma cidade que vive no imaginário do mundo. E isso não há como negar.
A afirmação está longe de ser baseada em achismo. Era só passear por Copacabana ou pela nova "praia" carioca, o Boulevard Olímpico, que reuniu multidões todos os dias. Pessoas que queriam viver a magia que uma cidade olímpica oferece ao se transformar, provisoriamente, em capital do mundo.
Os Jogos não vão mudar o Rio. Os Jogos não mudam cidade alguma, nem Londres, nem Barcelona, como se afirma por aí.
É como bem lembrou a matéria do jornal britânico Daily Mail:
"Os Jogos Olímpicos não curaram o Rio de Janeiro. Eles não livrararam a Baía de Guanabara de seus poluentes ou de seu esgoto, não interromperam a violência sangrenta entre gangues de drogas e a polícia, não erradicaram engarrafamentos, não ajudaram os milhões de pessoas que vivem em favelas da cidade a sair da pobreza, não impediram assaltos na praia de Copacabana e não impediram Ryan Lochte de se comportar de forma estúpida. Por mais tentador que possa ser atribuir essas propriedades curativas aos Jogos, a história nos mostra que eles sempre ficam aquém de milagres econômicos e ambientais que se tenta atribuir a eles."
O que muda uma cidade, o que ajuda a diminuir suas mazelas, o que melhora a qualidade de vida de seus habitantes, o que proporciona que capte mais investimentos, o que faz com que ela passe a receber mais visitantes, é trabalho sério e honesto, fora isso, nada vai adiante.
A imprensa estrangeira que tantas ressalvas tinha em relação a nós reconheceu o prório alarmismo criado. Não que não tenhamos problemas. Com citado acima, os temos e muitos, mas tão diferentes do de outros grandes centros urbanos do mundo. A diferença principal, a meu ver é que em tantas megalópoles por aí há uma vontade política bem maior de se buscar soluções.
Os jogos mostraram que o Rio é uma cidade em que as pessoas vivem e não apenas sobrevivem. E que os cariocas, enfrentando cada um as suas maiores ou menores dificuldades do dia-a-dia, tentam viver bem. Quem nos dá a chance de nos mostrarmos, quem se "arrisca" a vir aqui descobre isso, seja ele suiço, nigerino, finlanês, turcomeno, monegasco ou paulista.
Hoje, não há carioca por mais crítico que seja que não esteja feliz. É como aquela satisfação interna de ver a namorada ser admirada por outros. Ou aquele orgulho de filho que vê o pai ter sucesso.
Mas amanhã acaba e voltamos à realidade.
Não! Pera aí! Tem Paralimpíada...

Então, que recomece, logo, a festa!!!!

OLIMPITACOS VIII


Essa história de votação na internet pode ser muito moderninha, usa roupa de democrática, mas pode ser muito injusta. O líbero Serginho, com três medalhas, uma de ouro e duas de prata deveria ter sido o porta-bandeira de nossa delegação na festa de abertura. Tem uma história incrível a serviço do esporte brasileiro. Com mais uma final, a quarta em quatro jogos e mais uma medalha no pescoço, espero que tenham a decência de entregar nossa bandeira a ele na cerimônia de encerramento da Rio 2016. Alguém discorda?????


OLIMPITACOS VII


Toc, toc, toc.
- Quem bate?
- Der Geist...
- Ahn????!!!
- O fantasma...da Alemanha
Maracanã, 20 de agosto de 2016.
As bandeiras que entrarão no gramado serão as mesmas daquela tarde, há pouco mais de dois anos, no Mineirão. Tarde em que gritos de gols se transformaram em muxoxos, um mais lacônico após o outro. E ao final, além da decepção, a certeza de fora pouco.
As seleções que se encontrarão nesse sábado nada terão em comum com as de 2014. Nem os uniformes serão os mesmo. A estrela da nossa companhia, que poderia ser o ponto de tangência entre os dois acontecimentos, assistia ao vexame não no estádio, mas em seu apartamento no Guarujá, onde se recuperava de uma lesão nas costas.
Nada pesaria sobre a decisão do ouro olímpico da Rio 2016 não fosse a acachapante derrota imposta pelos alemães sobre a seleção brasileira (minúsculas propositais) em terras mineiras. Um placar de 7x1 não se esquece com o tempo, ainda mais quando a surra é no seu próprio quintal e quando o roxo das pancadas ainda nem dissolveu direito.
Poderíamos dizer que a turma que vai entrar em campo em busca do "único título que o futebol brasileiro ainda não tem" não merece ser cobrada pelo papelão daqueles que disputaram a Copa, mas temos que ver além das vinte e duas pernas que pisarão no gramado do ex-maior estádio do mundo.
É que se os torcedores não assimiliaram aquela derrota, o mesmo não parece acontecer como aqueles que estão à frente do carcomido ludopédio nacional. Para esses tais, aquilo passou; foi apenas um acidente de percurso; a Seleção recuperará seu prestígio... Lembram-me a clássica imagem daqueles três macaquinhos: um que não escuta, outro que não fala e o terceiro que não vê, lado a lado.
Paramos no tempo quando o assunto é futebol. Nossa estrutura é arcaica. Nosso profissionalismo é pífio. Nos conformamos apenas em produzir sementes que brotarão em gramados mais evoluídos. E aí, nos confrontos sazonais com países que resolveram levar a coisa a sério nos deparamos com a relidade nua, crua e cruel.
Só a paixão pelo esporte não basta. Ela não pode ser usada como desculpa, como âncora afundada em solo lodacento que não nos permite navegar um centímetro à frente sequer. O resultado é claro: clubes decadentes, dívidas crescentes, elencos pobres, estádios vazios e desinteresse das novas gerações.
Para quem já viu o país parar em jogos da Seleção, nada mais emblemático do que a reação dos espectadores durante a partida da seleção olímpica contra Honduras no restaurante em que almoçava na Lapa. Gols iam se sucedendo, a classificação para a final sendo garantida e nenhuma reação. Saladas, carnes e sobremesas ganhavam muito mais atenção.
Ninguém, nem o mais cego e apaixonado torcedor conseguirá ver uma vitória contra a Alemanha como uma vingança. Ouso dizer que mesmo um improbabilissimo 7x1 para nós seria capaz disso.
Será uma partida, ao meu ver, em que não ganharemos de forma alguma. Se perdermos, será apenas uma derrota a mais para reafirmar as linhas acima. A medalha de ouro perdida nem importará tanto. Se vencermos corremos o risco de que a falsa redenção nos mantenha mais alguns anos na mesma posição em que estamos estagnados. E a experessão "ouro de tolo" nunca terá sido tão bem utilizada.
Apedrejem-me, mas para mim, esse jogo e nada serão a mesma coisa. Quando a bola rolar estarei trabalhando, comentando uma partida do real futebol brasileiro pela série B.
Melhor assim.


PS: A ilustração é do talentoso Paulo Romai.

OLIMPITACOS VI


Em uma de suas músicas Chico Buarque diz: “A dor da gente não sai no jornal”.
Em se tratando de atletas olímpicos, o verso não se aplica (ou quase nunca).
A dor é estampada em cores, em fotos de alta definição, assim como circula o mundo pela Internet ou é transmitida ao vivo pela TV.
Depois de um dia de muitas derrotas como o de ontem, o fato ainda fica mais visível.
Mas o grau da decepção de ver o sonho do alto do pódio se desfazer pode variar de acordo com cada atleta. O histórico de cada um, as reais chances naquela modalidade e o momento pelo qual estavam passando são fatores que gravam ou atenuam a dor olímpica.
Vejamos o caso do handebol feminino. Um esporte esquecido no dia-a-dia esportivo brasileiro e que no máximo traz ao público em geral a lembrança das aulas de Educação Física dos tempos do colégio. Modalidade que ressurgiu após o brilho inesperado da conquista de dois PANs , do Campeonato Mundial, na Sérvia, em 2013 e da eleição de Duda, que há muitos anos atua no exterior, como melhor jogadora do mundo.
Por melhores que tenham sido algumas atuações do time, inclusive derrotando a poderosa Noruega na estreia, as chances reais de medalhas estavam mais posicionadas na prateleira da esperança do que na da realidade.
O mesmo não ocorre com o futebol feminino.
Medalha de prata nas duas olimpíadas anteriores, nossa seleção vislumbrava, enfim, o ouro, principalmente após a eliminação inesperada dos EUA. O time comandado pela carismática e talentosa Marta soube fazer a torcida adotá-lo pro sua dedicação, entrega e gols, aspectos em falta quando se fala de futebol masculino.
A derrota nos pênaltis para a retrancada Suécia, que já havia sido goleada pelas brasileiras, doeu fundo, imagino, em jogadoras como Formiga, Cristiane e, principalmente Marta, que viram a última chance de uma medalha dourada olímpica pendurada em seus pescoços desaparecer. Mas, por maior que seja essa dor, elas, lá no fundo, sabem que se levarmos em conta a estrutura próxima a zero do futebol feminino em nosso país, fizeram muito mais do que se podia imaginar em todos esses anos.
Ser ídolo em um país assim faz de Marta, alagoana de Dois Riachos e sueca por profissão, um mito esportivo.


Difícil saber o que ela sentia, de joelhos, com lágrimas nos olhos, diante de um Maracanã lotado, ao fim da disputa de pênaltis que eliminou o Brasil. Provavelmente a dor do adeus olímpico.
Mas alguém se surpreenderia se aos 34 anos, em Tóquio, ela estivesse mais uma vez liderando as meninas brasileiras?
Em relação ao Vôlei Feminino de quadra, a tristeza é grande depois de uma primeira fase impecável, sem um set perdido. Mas para as meninas que conquistaram dois ouros olímpicos, a sensação de dever cumprido deve se sobrepor à dor. Já para as novatas, fica o estímulo para novas conquistas.
E, para não me alongar mais, chego ao ponto que, na verdade, me inspirou a escrever esses olimpitacos de hoje: a derrota de Larissa no Vôlei de Praia.
Por que Larissa e não a dupla Larissa/Talita? Porque Larissa transcende parcerias e afirmo isso sem subestimar qualquer de suas companheiras de quadra (Ana Richa, Juliana, Talita..).
Aos 34 anos de idade, Larissa chegou aos jogos do Rio com, nada mais, nada menos, do que 7 títulos do Circuito Mundial; 1 ouro, 2 pratas e 1 bronze em Campeonatos Mundiais; 2 ouros e um bronze em Pan-Americanos e 1 bronze olímpico.
Em Londres, ela e Juliana eram as grandes favoritas até serem derrotadas por Jennifer Kessy e April Ross, nas semifinais.
O Rio surgia como a oportunidade de coroar sua carreira e tirar da boca o gosto amargo do bronze dos Jogos passados. E, novamente, era a favorita. Pelo menos até ontem, quando ela e Talita foram derrotadas inapelavelmente pelas alemãs Laura Ludwig e Kira Walkenhorst por dois sets a zero.
Essa talvez tenha sido a derrota de ontem que mais me abateu.
Talvez a mais cruel de todas.
Mas para alguns jornais toda a trajetória da atleta não bastou para que a partida ganhasse destaque em suas páginas. No O Globo, apenas seis linhas no “pé” da matéria sobre a vitória da dupla masculina.
Na Folha de S. Paulo, retranca só no site.
No globoesporte.com, nem isso. A matéria sobre o jogo falava da aflição da esposa e da família de Larissa na arquibancada.
Se ganhar bronze mais uma vez, talvez ganhe uma matéria decente. Se não, perderá espaço para notícias “positivas”
O fato é que, hoje, a dor de Larissa, como diria Chico, não saiu no jornal.


OLIMPITACOS V


O que é que a Jamaica tem que nós não temos?
Ok, tem Usain Bolt.
Mas a resposta é bem menos óbvia e bem mais complexa.
As disputas no Atletismo mostram o abismo entre o desempenho da pequena ilha caribenha e o impávido colosso sul americano.
Não é preciso ser um expert para visualizar tão grande desnível.
Das provas eliminatórias às finais há muito mais compatriotas de Bolt do que de Thiago Braz. E mesmo onde figuramos, o papel de coadjuvante nos é muito mais pertinente.
Sou de Humanas, mas não é preciso muito conhecimento matemático para saber que com 200 milhões de habitantes poderíamos ter uma relação cidadão x atleta de ponta muito mais favorável do que os jamaicanos. mas isso não acontece. Nunca aconteceu.
Vivemos de observar cometas. Sabemos de cor seus nomes, afinal são poucos. São Ademares, Joões, Joaquina, Robsons, Maureens e Thiagos ou também Fabianas.
E quando as medalhas surgem, as histórias de superação afloram; cada uma mais bonita que a outra. Relatos emocionantes que nos trazem lágrimas. Lágrimas que acabam embaçando nossa visão do problema
A mídia esportiva, que teria o dever de expor essas mazelas, até o faz de forma terçã, a cada ciclo olímpico, já que no restante do tempo está mais preocupada com o novo penteado de Neymar.
Quem dera nossa carência se restringisse apenas ao Atletismo, mas vai muito, muito além.
Viva a medalha de Thiago Braz, mas não vivamos apenas dela.


terça-feira, 9 de agosto de 2016

OLIMPITACOS IV

Poucas horas depois da judoca Rafaela Silva ganhar sua medalha de ouro começou a circular nas redes sociais uma postagem afirmando que apesar de ser negra e ter crescido numa favela (sic), teria conseguido tudo por mérito próprio, sem feminismo, sem cotas e por ser militar.



Vamos destrinchar essas afirmações...
Não vou falar nem na questão do feminismo; deixo isso para amigas com mais argumentos do que eu.
Em relação ao resto e sem querer tirar qualquer mérito de Rafaela, temos que lembrar que ela só começou a lutar Judô através de um projeto social comandado por Flávio Canto. Não fosse essa oportunidade, tão rara para jovens de comunidades carentes, possivelmente não se envolveria com o esporte.
A qualidade técnica de Rafaela Silva e sua determinação lhe abriram outras portas e fizeram com que pudesse ser agraciada com a Bolsa Atleta, distribuída pelo Governo Federal. Uma dessas bolsas tão criticadas pelos defensores da meritocracia.
E por fim, um acordo entre os ministérios do Esporte e da Defesa propiciou que a judoca entrasse nas Forças Armadas como militar temporária através do Programa Atletas de Alto Rendimento (PAAR).
A grande vantagem desse Programa é que além do soldo militar e da estrutura de treinamento, os atletas podem ter outras fontes de recursos, como a bolsa atleta e patrocínios de empresas.

O Brasil já teve diversos militares de carreira competindo em Olimpíadas. Nosso primeiro medalhista de ouro foi o tenente Guilherme Paraense, que disputou o Tiro nos Jogos de Antuérpia, em 1920.



Em Helsinque, em 1952, nosso porta-bandeira foi o primeiro-tenente Mario Jorge da Fonseca Hermes, integrante da seleção de Basquete.



Mas o quadro existente hoje com 145 atletas militares entre os 465 que integram a nossa delegação nos Jogos de 2016 é bem diferente dos que havia em outros tempos.

Por conta dos Jogos Mundiais Militares, realizados no Rio de Janeiro em 2011, traçou-se uma estratégia de atração de atletas como o PAAR, acima citado. A meta era que o Brasil conseguisse um bom desempenho em casa. Objetivo, por sinal, alcançado. Foram  114 medalhas: 45 de ouro, 33 de prata e 36 de bronze e o primeiro lugar na competição.
Só para se ter uma ideia, antes desse programa, a participação brasileira era pífia. Em 2007 o país havia conquistado apenas duas medalhas de prata e uma de bronze.

Nos Jogos Militares do ano passado também tivemos grande desempenho na Coreia do Sul. Ficamos em segundo lugar, com 84 medalhas. Dessas, 73 foram conquistadas por atletas que já fizeram parteou estão atualmente na Seleção Brasileira de suas modalidades e na Rio 2016.
A Rússia venceu a competição com 135 medalhas e A China ficou em terceiro com 98 (14 a mais do que o time brasileiro), mas com menos ouros (34 a 32). Os dois países também têm diversos atletas militares. Os Estados Unidos, maior potência olímpica do planeta e que não vincula suas modalidades às Forças Armadas com tanta ênfase, ficou apenas em 23º lugar.

A participação de atletas militares, portanto, quase triplicou de 2012 para cá. Em Londres eram apenas 51 e eles só competiram em 12 modalidades. Nos Jogos do Rio os integrantes do Programa competem em 27 modalidades. No judô 100% dos atletas são militares do quadro temporário do Exército e da Marinha.


Entre os novos atletas adotados pela Aeronáutica está Arthur Zanetti, primeiro brasileiro a conquistar medalha olímpica na ginástica artística, nas Olimpíadas de Londres, em 2012.

É claro que tanto Exército, quanto Marinha e Aeronáutica se aproveitam do bom desempenho dos atletas para a melhoria da imagem das instituições. As duplas de praia, por exemplo, usam tatuagens com o símbolo da força que defendem. E é cada vez mais comum ver atletas batendo continência nos pódios. Normal, já que se tratam de militares, mesmo que não de carreira.



O que não dá é assistir calado a grupos de direita querendo impor uma falsa verdade. Ainda mais se a postagem vem de um grupo de Facebook chamado "Bolsonaro Viril".
Podem me chamar de preconceituoso, mas eu acho que quem cria um nome como esse não parece estar interessado apenas nos dotes políticos do nefando deputado.

OLIMPITACOS III

Ah, essas tais redes sociais...
Tão tentadoras...
Tão sedutoras...

Bastam algumas teclas apertadas e uma opinião se torna pública. Dependendo do número de seguidores, se espalha, viraliza. E se o teor da postagem for explosivo, polêmico, verborrágico, a repercussão ganha ainda mais eco.

Deve ser por isso que boa parte daqueles que buscam reconhecimento no mundo virtual estejam sempre com uma metralhadora destravada e engatilhada.

Os atingidos por essas rajadas parecem ser considerados vítimas inevitáveis no conflito dos egos virtuais. Afinal, se há uma guerra, há feridos. E mortos...
Para essas pessoas, matar uma reputação é apenas um efeito colateral. O importante é bater no peito, bradar pelo direito de expressar a própria opinião e sentar bala.

Mas, como se diz por aí, o direito de um acaba quando afronta o direito do outro.

Essa introdução toda é para falar sobre uma mulher negra criada em um bairro chamado Cidade de Deus. Uma mulher que, aos 20 anos de idade sentiu na pele e na alma toda a ira de uma parte tacanha e preconceituosa da nossa sociedade. Uma mulher que teve que juntar os cacos para não se deixar abater e treinar, treinar muito, para calar essas pessoas.



Quando você chama um negro de macaco e diz que ele deveria estar em uma jaula ao invés de pisar no “sagrado” solo olímpico, você pode achar que está apenas fazendo graça, que seus amigos vão te achar irônico ou sagaz e pode ser que eles até achem mesmo. Afinal, gente assim se cerca de iguais. Mas quando você tira esse raciocínio imbecil gerado por seus neurônios e os expõe publicamente está cometendo um crime: injúria racial. E essa mulher chamada Rafaela Silva, judoca, medalha de ouro nos Jogos Rio 2016 foi vítima desse crime, cometido não apenas por uma pessoa, mas por muitas.

Quatro anos atrás, a atleta fora desclassificada por ter aplicado um golpe que os juízes julgaram ilícito. A desclassificação a levou direto para o paredón. Sem dó nem piedade foi alvejada por ofensas de pessoas totalmente leigas no assunto, mas que sentiram-se à vontade para libertar sua ira contra uma representante, segundo eles, indigna das “valorosas cores da pátria”. E mesmo aqueles que não a ofenderam por sua cor de pele, colocaram em dúvida sua honra como esportista.


Foi o caso da blogueira e tuiteira Dri Caldeira que comanda o Canelada FC, classificado por ela mesmo como “o maior e melhor blog independente sobre futebol brasileiro e internacional”. Mal acabou a prova nos Jogos de Londres, enquanto Rafaela ainda chorava nos braços de sua treinadora, a moça disparou pelo Twitter: “Cara, que vexame. Não te ensinaram a jogar limpo? Mais uma que foi para fazer o Brasil passar vergonha e chorar”.

Conseguiu seu intuito. Ganhou manchetes.

Mas nada como um dia após o outro com muitas noites no meio.
As lágrimas de hoje, de Rafaela Silva, foram de alegria, para desgosto daqueles que a crucificaram na Olimpíada passada. Gente que teve que ouvir calada o desabafo da judoca.


Lógico que isso não vai mudar em nada o comportamento dessas pessoas. Vão continuar a ser preconceituosas, venenosas, venais. No entanto, elas passarão e Rafaela Silva ficará.
A judoca já faz parte da histórica olímpica desse país que não olha por seus atletas, que tem um incipiente trabalho de base em quase todas a modalidades, mas que se sente à vontade para cobrar deles desempenhos de primeiro mundo a cada quatro anos.

Rafaela Silva é exceção.

Poderíamos ter tantas outras no judô, no remo, no tênis, no basquete, no atletismo, porém estamos ainda muito longe dessa realidade. Meninas pobres, de comunidades carentes de todo o Brasil ainda terão que contar com a sorte, ou o destino, quem sabe, para continuar a vencer suas lutas não só contra as adversárias, mas contra a injustiça social e, principalmente, contra o preconceito.

OLIMPITACOS II

Uma festa solar.

Essa foi a minha sensação ao final da cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016.
A lindíssima pira acesa por Vanderlei de Lima foi o fecho de uma celebração brilhante, onde a tecnologia foi coadjuvante. Onde o ser humano foi o centro das atenções. Onde o espírito carioca transbordou.

O arrepio inicial veio com os acordes do violão de Paulinho da Viola. É daí pra frente foi uma felicidade atrás da outra.



Teve Ludmila, teve funk, teve Passinho, sim. Teve escola de samba, te Tom, Vinícius e Baden. Teve Chico, Caetano, Gil e Anitta, sim. Teve Rio na sua mais pura essência de cidade de todos os que aqui pisam.
Teve até safadão, com letra minúscula mesmo (como bem observou o amigo Eduardo Castro).

Faltou muita gente, claro. Nossa cultura é muito mais rica do que 4 horas de cerimônia. Mas como não se encantar com as tramas das ocas trançadas por dezenas de índios, com o sobrevoo do 14-BIS, com os arcos olímpicos verdes nos dois sentidos do termo. Aliás, a ideia de dar sementes aos atletas para que se plante um bosque na cidade foi de uma felicidade absurda.

Foi bonita a festa, pá. Fiquei contente. Assim como ficou o presidente português ao ver sua delegação ser a mais celebrada depois da nossa.



Os maus agouros foram superados com louvor. A opinião do amigo Sérgio Besserman, numa entrevista ouço antes dos Jogos se confirmou. Sabemos fazer uma boa festa!
Estou a caminho do Parque Olímpico para realizar um dos meus grandes desejos na vida: assistir a uma Olimpíada.


É, tenho certeza, que para nós cariocas, de nascença ou de coração, serão dias inesquecíveis.


quinta-feira, 4 de agosto de 2016

OLIMPITACOS 1

Diz o dito popular:
“Quem fala demais dá bom dia a cavalo”.
Seria por acreditar nessa máxima que nossos atletas são tão calados.
Antes que você pense que eu pirei de vez, explico o porquê desta divagação.
Recentemente, durante a entrega dos prêmios ESPY, concedidos aos mais brilhantes atletas do ano pela rede norte-americana de TV ESPN, quatro estrelas da NBA fizeram um pronunciamento contra a injustiça e o racismo nos EUA. Lebron James, Dwayne Wade, Chris Paul e Carmelo Anthony criticaram a morte de dois afro-americanos por policiais, bem como o ataque de um atirador negro que matou cinco agentes em Dallas. Foi um apelo por mudanças.


E a fala de Lebron resumiu bem o que quero discutir aqui:
“Vamos aproveitar o que está ocorrendo neste momento para chamar todos os atletas profissionais a agir, fazer ouvir suas vozes, sua influência contra todas as formas de violência.”


Acho que podemos contar nos dedos quantas vezes ouvimos algum atleta brasileiro se posicionar em relação a temas polêmicos. E olha que não falta assunto por essas terras.

Parece que o medo de ser tachado de “polêmico” é maior. Afinal, não raro, nossa imprensa está sempre pronta a "carimbar" pessoas assim e a pecha de “maldito” pega.
Vejam o exemplo do mais novo Cavaleiro da Ordem Nacional da Legião de Honra da França, monsieur Paulo César Caju. Nos seus tempos de jogador, lá pelos anos 1970, era um ponto fora da curva. Negro, numa época em que o preconceito racial era muito maior do que o que ainda existe hoje, se recusava a se calar. Falava o que pensava para quem bem queria, protegido por sua posição social propiciada pelo futebol. Andava em carros de brancos, namorava com mulheres brancas e lindas e, por essas ousadias, era alvo de muitas críticas que acabaram transbordando para a mídia esportiva. Foi para a França e às margens do Mediterrâneo, em Marselha, tornou-se rei. Rei de uma terra onde era aceito.


Ainda hoje, em seus esporádicos artigos no jornal O Globo pode se ver que sua língua não se cansou. PC Caju continua ferino, sem medo de dizer o que sente.

Atletas, na sua enorme maioria, só abrem a boca para críticas quando essas são voltadas para sua área de atuação e, mesmo assim, pisando em ovos. Afinal há os patrocinadores, a mídia, o público... Uma imagem a zelar.
No futebol, em 2013, vimos jogadores aderindo ao movimento Bom Senso FC. Sentaram em campo, ameaçaram greves, mas há muito não se houve falar mais deles ou de qualquer ação efetiva da entidade. Criticados por uma coluna da Folha de S.Paulo, emitiram uma nota de esclarecimento da qual destaco um trecho:
“...O Bom Senso FC não só vai continuar acompanhando e cobrando as autoridades que regulamentam o esporte, como também vai estudar, pesquisar os cenários e propor medidas que melhoram o jogo para todas as partes. Com o reconhecimento do nosso legado e a responsabilidade que isso traz, o movimento se consolida e finca base como um centro independente de inteligência e ação pelo futebol brasileiro. Vamos trabalhar como um time. Os atletas, como grandes ídolos do esporte, têm um papel fundamental em seu desenvolvimento, mas para atingir mudanças significativas será preciso engajar toda a comunidade do futebol em torno de propostas concretas....”

Essa crítica quanto ao não posicionamento não é só minha, é claro. Alguns ex-atletas também engrossam o coro. Gente como Casagrande, um atacante que pode abrir a boca para falar por ter sido, na sua época de Corinthians, voz ativa na chamada “Democracia Corinthiana”. Aliás essa fase está bem descrita no recente livro “Sócrates e Casagrande: uma história de amor”. O “Doutor” Sócrates era outro dos líderes desse envolvimento entre futebol e retomada democrática do país nos anos de 1980.



Numa entrevista a um programa da jornalista Mariana Godoy, na Rede TV, o ex-camisa 9 do Timão criticou duramente a omissão dos jogadores:
“Hoje, o poder é o dinheiro. Os jogadores ganham muito. É cômodo para todo mundo ficar quieto. Isso aí me incomoda no jogador de futebol.”


É lógico que nem todas as opiniões agradam. Que o diga Pelé...
Falar tem seu preço.
E aí vale lembrar outro ditado popular:
“Quem fala o que quer, ouve o que não quer”.

Pois em tempos de redes sociais isso ainda é mais amplificado.
A goleira da seleção olímpica americana de futebol Hope Solo recentemente postou uma foto com todo um aparato anti-mosquito para dizer que estava pronta para vir ao Rio.
Como era de se esperar a reação foi imediata e os brasileiros meteram o pau.


A jogadora até pediu desculpas pela indelicadeza, mas foi no jogo de estreia do time, no Mineirão, que ela sentiu o quanto a “brincadeira” pegou mal entre a turma daqui. A cada vez que ele pegava na bola vinha uma vaia que durava até ela se livrar da bola acompanhada de um grito da torcida: ZIIIIIKAAAAAA.


Como foi que aquilo se tornou uma manifestação coletiva eu não sei, mas que a massa deixou bem clara sua indignação, deixou.
E que não passe disso...
Cada um tem direito a suas opiniões, concordemos ou não.


Prefiro quem opina a quem se cala...