No último domingo, por ossos do
ofício, tive que acompanhar toda a votação do prosseguimento do
processo de destituição da presidenta Dilma Rousseff na Câmara dos
Deputados. Mas esta postagem não vai ser apenas para lamentar as
lamentáveis performances de suas excelências. Isso já foi bem
batido nos últimos dias.
Gostaria, no entanto, de convidá-los a
uma breve análise de algumas das causas; do que leva nossa Câmara a
ser essa “vergonha alheia” que vimos.
Um fato curioso daquele dia, na redação
da TV Brasil, onde trabalho, era a expectativa pelo voto do deputado
Tiririca (PR-SP) e explica-se: em meio a toda aquela palhaçada,
estávamos curiosos para saber como seria o voto de um palhaço de
ofício. O “sim”, no entanto, soou como um anticlímax.
Esperávamos pela piada, pelo voto no “não”.
O voto de Tiririca, diga-se de
passagem, não teve nada de estrombólico como o da enorme maioria de
sus colegas.
Mas Tiririca tem uma boa parcela de
culpa pelo que se viu naquele circense domingo. Ele e outros grandes
“puxadores de votos”.
Tiririca, com sua votação, garantiu
mais dois deputados para seu partido.
Celso Russomanno, com 1.524.361 de
votos obtidos, garantiu a vaga dele e de mais quatro candidatos do
PRB-SP.
Jair Bolsonaro (PP-RJ), com 464.500
votos, junto com Eduardo Cunha (PMDB), que recebeu 232.708 votos,
ajudou a eleger também outros 17 nomes da coligação
PMDB/PP/PSC/PSD/PTB. Entre eles Marco Antonio Cabral, filho de Sérgio
Cabral, ex-governador do Estado.
Por essas e outras, apenas 36
candidatos a deputado federal foram eleitos por voto direto e nominal
em 2014. Os outros herdaram votos.
A culpa é do chamado quociente
eleitoral, uma conta que determina quantos votos são necessários
para que um deputado se eleja.
A regra proporciona que deputados com
uma mínima representatividade cheguem ao poder legislativo federal e
gera discrepâncias. Graças a essa lógica o advogado Fábio Pinato
(PRB-SP), por exemplo, conseguiu uma vaga no Câmara com pouco mais
de 22 mil votos, enquanto Antônio Mendes Thame (PSDB-SP) não foi
reeleito apesar dos mais de 106 mil votos.
Para melhor aproveitar a regra do jogo,
os partidos também se aproveitam dos incautos, como explica o Mestre
em Direito Processual da Uerj, Iorio Siqueira D'Alessandri Forti:
“Outra tática comum nos partidos
mais toscos é oferecer centenas de candidatos inexpressivos em um
mesmo Estado, como “Joãozinho do açougue”, “Manoel
pipoqueiro” ou “Mariazinha enfermeira”, que atraem uns dois mil
votos dos vizinhos/clientes para, ao final, conseguir eleger um ou
dois caciques que, com suas próprias forças, não seriam eleitos.
Por isso, de nada serve o discurso de “eu não me interesso pelo
partido, só quero saber da pessoa em quem estou votando”. Cabe a
cada um fiscalizar a coerência programática do partido, porque o
voto dado a Fulano pode servir para eleger somente Beltrano.”
O abuso do poder econômico em
campanhas milionárias é outro fator que explica a “fauna” de
nossa Câmara.
Vários parlamentares são investigados
por conta da omissão dos reais valores gastos para convencerem
eleitores. Dinheiro que, na maioria das vezes não sai de seus bolsos
e sim dos bolsos de “doadores”. Mas sabemos que, na verdade, tais
doações soam melhor como “investimentos”. Ou seja, um grupo
econômico financia um político para que ele defenda os seus
interesses no Congresso Nacional e não necessariamente os interesses
dos eleitores.
Mais um detalhe: 38 deputados federais
eleitos em 2014 respondiam a processos na ocasião da posse (26
votaram sim no processo de Impeachment, 10 votaram não e 2 nem
votaram).
A preocupação apenas com os
interesses dos financiadores de campanha e não com os da população
de modo geral poderia, quem sabe, explicar o grande número de
ausências nas sessões plenárias deliberativas.
Em 2015, só 4% dos parlamentares
(cerca de 20) compareceram às 125 sessões com presença
obrigatória.
Alegando questões de saúde, houve
deputado que faltou a mais de 100 desses sessões, sem qualquer risco
de cassação, pois atestados médicos são aceitos como
justificativa de ausência.
Porém, o número de faltas não
justificadas espanta. Guilherme Messi (PP-SP) não compareceu a 30
sessões sem nada explicar. Já Edmar Arruda (PSC-PR), “matou” 25
sessões, também sem qualquer justificativa.
Pense comigo: o que seu patrão faria
caso você faltasse 25 ou 30 dias durante o ano sem qualquer
explicação?
Mas o patrão deles, ou seja, o povo
brasileiro, é bonzinho, não faz nada.
Os dois já estão no segundo mandato.
Dos 30 maiores faltosos da Câmara, 20
votaram pelo afastamento da presidenta e 10 pela sua permanência.
Hoje existem 35 partidos políticos no
Brasil e outros 20 podem vir por aí. A política, como se vê,
parece ser extremamente sedutora.
Uma saída seria uma ampla reforma
política, mas isso teria que passar pelo Congresso Nacional.
Você, em sã consciência, acredita
que deputados e senadores que lá estão vão querer atentar contra o
próprio status quo?
Também existe a questão da influência cada vez maior da religião na política (mas isso vale uma postagem só para o tema) e outros fatores que podem
explicar o festival de bizarrices que vimos, como a tradicional e
tacanha teatralidade do político brasileiro ou a oportunidade dos 30
segundos de fama em rede nacional. Mas o fato é que a população
brasileira pôde se confrontar com sua criatura.
Sim, porque somos nós que os colocamos
lá.
Somos nós os maiores responsáveis.
Será que a vergonha causada por aquele
grotesco espetáculo fará com que as pessoas prestem mais atenção
na hora de votar, que levem o ato do voto mais a sério, ou nossa
democracia é tão frágil assim que não conseguiremos jamais ter um
poder legislativo competente?
Parafraseando e adaptando a letra da
música Índios do Legião Urbana, “nos deram espelhos e vimos um
Brasil doente”.
O que faremos daqui pra frente é o que
nos resta decidir.