terça-feira, 29 de março de 2016

O NOME DELE É EDUARDO


Morava nos arredores da Tijuca, onde também estudava.
Não era o primeiro da classe nem o último, mas em tempos de Ditadura Militar se deu muito bem com os conceitos da disciplina Educação Moral e Cívica. Embora anos mais tarde, como veremos adiante, moralismo e civismo não se tornassem qualidades que pudessem ser atribuídas a sua personalidade.
Desenxabido, cara de nerd (coisa que não existia nos anos 1970), com cabelos compridos (moda na época) e grandes óculos. Estava longe de ser o galã da escola. Como consolo, suspirava por aquelas mulheres bonitas que apareciam na TV. Uma loira que apresentava um jornal da TV Globo, então, era sua musa...
Logo descobriu que números e cifras, principalmente, essas últimas o fascinavam. Adorava desenhar cifrões. Não sabia explicar o porquê.
Resolveu, então, se embrenhar no mundo financeiro e se formou em Economia.
Perspicaz, logo viu que dinheiro e política tinha muitos pontos em comum.
Decidiu colocar os pés no partido que sempre apoiara os militares para enfrentar os novos tempos democráticos. Queria estar próximo ao poder. Mas logo descobriu seu erro e quatro anos depois já estava do lado oposto. Encontrou lugar junto a um “gato angorá” felpudo como uma raposa que depois de uma derrota eleitoral tentava chegar outra vez ao governo do estado.
O sucesso do parceiro rendeu experiência política e matreirice a Eduardo. Se destacou e atraiu a atenção de outras soturnas figuras da política nacional. Tanto que na primeira eleição presidencial direta depois de tantos anos de noites sombrias, estava embarcado em um partido nanico que levaria um colorido caçador de marajás ao planalto central. Colou com o careca, homem-forte do moço de Maceió e ganhou de presente o comando de uma estatal.
Era muito dinheiro passando na sua frente. Muitos cifrões (aqueles que ele adorava) dependendo apenas de uma canetada e um carimbo seus. As propostas indecorosas também eram muitas e como Eduardo não era de ferro, cedeu. E cederia muitas outras vezes. Tanto que logo se tornaria um velho conhecido de ministérios públicos e de tribunais de contas.
Por onde passou deixou sua marca.
Com grana no bolso, a aparência não importava mais. Casou com a loira da TV (não aquela, mas outra).
Como sempre foi bom de fazer amizades (nem sempre com amigos bons) ganhou um microfone para falar ao povo de Deus. Independente de seus atos suspeitos, sempre se fez de bom moço e tomou como slogan a defesa da vida e da família. Pelas ondas do rádio troava um discurso que exigia respeito para o povo, quando ele mesmo não se dava ao respeito.
O papel de defensor dos bons costumes foi interpretado com tanta maestria que dos parcos 15 mil votos em sua primeira tentativa nas urnas, passou a mais de 130 mil na eleição seguinte.
Em Brasília, se sentiu em casa. Descobrira seu lugar. Tinha poder e as bençãos da impunidade. Mergulhou fundo nos meandros regimentais e passou a usá-los com maestria. O cargo lhe proporcionava recursos para fazer crescer seu rebanho eleitoral.
Não era mais criança, mas ficou muito amigo de um garotinho, que também fez questão de presenteá-lo com um cargo que pudesse beneficiar os dois.
Hoje estão brigados (pelo menos na frente das câmeras).
Sua votação não parou mais de crescer, ultrapassando a casa de 200 mil no último pleito.
Ganhou poder junto aos colegas e passou a não mais esconder seu status financeiro de ninguém. Regabofes caríssimos em Paris, Lisboa ou Miami, por que não? Exorbitantes mimos de grife para a patroa e a filha no Champs Elysées? Claro que sim... Para que serve o dinheiro afinal? Ainda mais quando o dinheiro não é seu...
Pego mais uma vez com as calças na mão em maio a um lava-jato, fez cara de bom moço, criou desculpas e se encastelou junto a aliados e à burocracia do poder legislativo para resistir o máximo que puder. Municiado com artigos, alíneas, parágrafos e interpretações do regulamento interno, vai se mantendo no comando e pilotando o processo de retirada da pedra que impede que seu partido volte a governar o país.
A oposição finge indignação, mas aceita o fato, pelo menos enquanto tiverem o mesmo propósito.
Eduardo mostra calma e mantém o sorriso da empáfia. Afinal, quem sabe os amigos não chegam logo ao poder e tudo não acaba em pizza novamente. Aliás, pizza não, porque Eduardo há muito tempo não come mais pizza. Prefere um Poulet-de-Bresse-coquillettes-au-jus et truffe noire, acompanhado de uma taça de Louis Roederer, Brut Premier.

Com você pagando a conta, é claro!

PS: Trata-se de um texto de ficção, mas que está mais para história de terror.


segunda-feira, 28 de março de 2016

FUNK-SE QUEM QUISER...

Participei, hoje de uma banca na Faculdade de Comunicação Social da Uerj, onde dou aulas há 20 anos. O trabalho de conclusão de curso (vulgo TCC) do aluno Jonas Feitosa era um vídeo de 13 minutos sobre funk. Na verdade, sobre vertentes do funk carioca, como o “proibidão” e o "ostentação".

 

Não se trata de nenhuma descoberta músico-antropológica. O tema vem sendo explorado por gente que tenta ver além das lentes da grande mídia. Dois ex-alunos meus, os talentosos Ludmila Curi e Guilherme Arruda já tinham feito um DOC com este título: “Proibidão”, filme que correu o Brasil através de diversos festivais. (trailer aqui: https://www.youtube.com/watch?v=u8_L7JxbYKQ), mas o vídeo me fez refletir. E as divagações se encontram a seguir.




As letras desse tipo de funk abordam basicamente a realidade das favelas (ou comunidades, como queiram) e de sua gente. Vivências e dramas que não saem no jornal ou, se saem, saem com a versão oficial, com um quê de demonização que impede a real compreensão desses guetos. Locais que a sociedade em geral prefere não olhar mais de perto.

“Nós estamos no problema
Nós não rende pra playboy
Nós não podemos ir na zona sul, a zona sul é que vem até nós
Estampado no jornal toda hora e todo instante
Patricinha sobe o morro só pra dar pra traficante
Nós não somos embriagados
Nem em fama e nem sucesso
Por que dentro da cadeia todos somos de processo
Tem que ter sabedoria pra poder viver no crime
Por que bandido burro morre no final do filme”

(Vida Bandida - MC Smith)




Autoridades civis e militares fazem o coro contra essas músicas. Dizem que as letras fazem apologia ao crime e pedem a proibição. Afirmam, ainda, que os chamados funks ostentação são chamarizes para atrair jovens para o crime.

“Quando dá uma hora da manhã é que o bonde se prepara pra Vibe
Abotoa sua polo listrada da um nó no cadarço do tênis da Nike
Joga o cabelo pra cima ou põe um boné que combina com a roupa
A picadilha pode ser de boy mas não vale esquecer que somos vida loca
As mais top vem do nosso lado ficam surpresa ganha mó moral
Se o Paparazzi chega nesse baile amanhã o seu pai vê sua foto no jornal
Portando kit de nave do ano, essa é a nossa condição
Olha só como que o bonde tá...
Tá pa... Tá pa... Tá patrão
Tá pa... Tá pa... Tá patrão
Tênis Nike Shox, bermuda da Oakley, camisa da Oakley olha a situação (2x)
Caralho moleque.. Vai segura”

(Tá patrão – MC Guimê)



Letras com conteúdo erótico, implícito e explícito, também são comuns e fazem com que muitos classifiquem o funk como lixo cultural.

Mas independente da qualidade musical ou “literária” não dá pra não fingir que esse fenômeno não existe. E se existe é porque quem vive aquela situação se identifica com o discurso dos MC's, ou pelo menos com a realidade ali descrita.
Só ficar dizendo que não deveria ser assim não basta. 
Se o tráfico está nas letras, é porque ele existe de fato, institucionalizado e operante (apresar das UPP's). Se a ostentação está nas letras é porque vivemos numa sociedade em que bens de consumo são vistos como status. E se o sexo está cada vez mais presente é porque a hiper-valorização do corpo virou valor e também uma forma de poder.

Não convivo com essa realidade. 
Não sei o que é viver onde o Estado não chega e quando chega não é para afagos. 
Mas, quase 30 anos de jornalismo numa cidade como o Rio de Janeiro me faz ter uma noção do quanto a chapa é quente.

O que está acontecendo em termos musicais não é nenhuma novidade. A música retrata e sempre retratou o mundo ao nosso redor.
Não é só funk. 
O hip hop, o rap, o rock, o samba... 
E desde muito tempo...

  


“O batuque da favela/ terminou em tiroteio/
todo samba do barulho/ eu acho bom, mas acho feio.
(É feio, mas é bom, Assis Valente - 1939)

“Todo dia o sol da manhã
Vem e lhes desafia
Traz do sonho pro mundo
Quem já não o queria
Palafitas, trapiches, farrapos
Filhos da mesma agonia
E a cidade que tem braços abertos num cartão postal
Com os punhos fechados na vida real lhe nega oportunidades
Mostra a face dura do mal”
(Alagados – Paralamas do Sucesso)

“Periferia legião, mãos à obra
Álcool e droga tá ali, corre junto
A morte a foice atrás de mais um assunto
É 2 minutos pra arrumar
Quem tá de luto aqui nem chega a respirar
Tem que pensar mais rápido, e puxar o gatilho
Se não for ligeiro parceiro, toma tiro
Tá no limite (tá) a flor da pele (tá)
Quem é ferido com o mesmo ferro sempre fere
A arma de fogo impõe respeito
No submundo da metrópole é desse jeito
Não pense, não pisque, não dê um passo
Quem se habilita, (falô) é um abraço”
(Expresso da meia-noite – Racionais MC's)

As três músicas acima foram gravadas e podem tocar em qualquer lugar.

Música é expressão política. Não se pode negar.
Três livros lançados recentemente pelo jornalista Franklin Martins, mostram isso. O título da trilogia é “Quem foi que inventou o Brasil”, parafraseando uma marchinha antiga de Lamartine Babo. 
De acordo com Franklin não há como dissociar a vida do país da música.

“Ela não é mero reflexo da política, é fruto também da dinâmica da produção cultural. Não se trata de música engajada. A música brasileira geralmente não é engajada, no sentido de ser uma atividade militante, embora em alguns momentos tenha assumido esta natureza. Ela é muito mais a expressão de algo interessantíssimo: desde o início a música popular no Brasil vai se embicando no sentido de produzir uma crônica da vida brasileira. Uma crônica em todos os sentidos: cultural, comportamental, econômico e também político.” (entrevista a Teresa Cruvinel no site 247 - http://www.brasil247.com/pt/247/cultura/185779/Franklin-foi-a-m%C3%BAsica-que-inventou-o-Brasil.htm)



Se assim é (e parece ser) tanto faz se é uma paródia satirizando um velho político da época do Império, um jingle político de um presidente que prometia varrer a bandalheira, uma letra de protesto contra a Ditadura ou um proibidão. A realidade vai buscar voz. Ganha letra e acordes, ganha público e ganha repercussão, independente do público que atinja.

A “bronca social”, como o próprio Franklin, define a nova roupagem da música de protesto que está aí. Só negá-la ou bloqueá-la não vai fazer com ela desapareça. 
Há muito a lógica e a logística da circulação de conteúdo mudaram e a internet está aí, de portas abertas e janelas escancaradas, para qualquer tipo de produção cultural.


Escutar, entender e buscar soluções é muito mais eficaz do que se fazer de surdo, vociferar impropérios ou varrer tudo para debaixo do tapete.


terça-feira, 22 de março de 2016

MEDO

Medo é o nome que damos a nossa incerteza: nossa ignorância da ameaça e do que deve ser feito. Vivemos numa era onde o medo é sentimento conhecido de toda criatura viva.” (Zygmunt Bauman-2008)

Acordar e dar de cara com a notícia: “Atentado terrorista em Bruxelas – 23 mortos” é uma forma muito triste de começar o dia. Não bastasse, em seguida vem a lembrança assustadora de que daqui a dois meses minha filha estará passando pelos locais das duas explosões.
Medo.



Essa é a maior arma do terror: o medo. Medo de, calmamente, tomar um café e o bar explodir. Medo de estar em um ônibus, metrô ou trem e tudo ir pelos ares. Medo de ir trabalhar e um avião atingir o prédio em que fica o seu escritório.

Grupos extremistas podem não ter grandes exércitos ou armamentos sofisticados, mas têm esta arma: o medo. E enquanto houver homens e mulheres dispostos a entregar suas vidas à causa que lhes exige tal sacrifício, haverá pessoas explodindo e levando com elas outras vidas. Vidas de quem estava no lugar errado, na hora errada...

O ataque ás Torres Gêmeas no já distante ano de 2001 é algo que jamais esquecerei. E olha que eu estava a muitos milhares de quilômetros da ilha de Manhattan, mais precisamente no bairro de São Cristóvão, na redação do SBT, onde trabalhava. Meus olhos estavam pouco mais de um palmo distantes da tela do pequeno televisor preso na parede quando o segundo avião atingiu um dos edifícios. Uma imagem tão profundamente absurda que meu cérebro demorou para processá-la como real. Como se a visão o estivesse tentando enganar. A sucessão de fatos daquela manhã do dia 11 de setembro me deixou sem saber o que pensar. Quantos outros atentados aconteceriam? Qual seria a reação dos EUA? Qual a extensão global que aquilo poderia ter?.
Medo.



Estive nos EUA menos de seis meses depois e o clima era diferente. Havia tensão no ar. Voltei outras vezes e a contestação é de que a vida, por lá, nunca mais voltou ao normal, nem voltará. Um forte esquema de segurança, revistas rigorosas, raio-x de corpo inteiro, rastreamento de vestígios de pólvora ou substâncias químicas. Exagero?
Para quem sofreu um ataque daquela magnitude dentro de seu próprio território, todo cuidado sempre será pouco.
Depois do ataque ao World Trade Center, a tática terrorista se intensificou. Indonésia, Rússia, Espanha, Reino Unido, Líbano, Jordânia, Egito, Índia, Iraque, Paquistão, Dinamarca, Noruega, Quênia, Iémen, Turquia, França, Bélgica... Grupos diferentes, causas diferentes, táticas diferentes, mas objetivos comuns: alcançar visibilidade para suas causas, revidar ações militares, causar sofrimento, provocar mortes.
Medo.



Diante de tanta barbárie, a população, tanto deses países afetados quanto do resto do planeta busca explicações. Tenta entender o porquê de atitudes extremas como essas. E é aí que entra a grande mídia e seu discurso quase hegemônico, objetivo e simplificador.

O problema é que o mundo está cada vez mais complexo para que nos contentemos com explicações simplificadas. São muitos os contextos, muitas as variáveis, muitos os filigranas. E envolvem não a apenas a história recente, mas, sim, séculos de antecedentes de fundamental relevância. Se o fato não é contextualizado de acordo com suas diversas faces, inevitavelmente a compreensão do mesmo será afetada.

Mas será que as pessoas estão interessadas em buscar o outro lado, para pelo menos compreender o que gera o terror? Ou preferem aceitar o discurso do bem contra o mal, nós contra eles, patriotas contra terroristas?



Aceitar este discurso é o mesmo que dar carta branca para governos agirem como bem entenderem e de acordo com interesses que vão bem além da defesa da soberania nacional. É só ver como George Bush capitalizou os atentados de 11 de setembro. O quadro político internacional não é um tabuleiro de WAR. Guerras não têm apenas objetivos militares. É correr o risco de, sem perceber, adotar a xenofobia como discurso. É estar sujeito ao preconceito contra seres humanos pelo simples fato de terem feições suspeitas ou sobrenomes que remetam a regiões de onde partem as ordens para os atentados.



Como diz Bauman, lá em cima, o medo cresce na mesma proporção de nossa ignorância e enquanto essa situação se mantiver, viveremos em meio a esta trágica novela na qual mortos não terão importância por serem quem são, mas sim pela quantidade de sofrimento que podem gerar.

Minha total solidariedade ao povo belga, mas enquanto enxugarmos gelo, mais lágrimas virão.

Medo.

sexta-feira, 18 de março de 2016

OS DEVORADORES DE MORTADELA

Hoje quando falei da manifestação dos que defendiam o Impeachment, no domingo passado, minha grande amiga Lúcia Duarte se ofendeu e me disse: "Não era do 'pessoal do impeachment', Rafa, era do pessoal contra a corrupção, do pessoal a favor da operação lava-jato, do pessoal a favor do impedimento do Governo, do pessoal contra o Lula, do pessoal querendo garantir a democracia etc etc etc."
E ela está corretíssima.
Nas grandes manifestações estão reunidas diversas pautas.
Na de hoje, a mesma coisa. Havia quem estava lá para defender o Lula, contra um possível Impeachment da Dilma, contra um suposto golpe midiático de Estado e pela defesa do resultado das urnas até que se provem culpados os eleitos.
Ir pra rua se manifestar é extremamente saudável. É democraticamente saudável. Desde que haja o respeito com o próximo, principalmente com o próximo que tem opinião diversa.
Exageros há de ambos os lados. Ofensas, ataques pessoais e propostas descabidas como a volta da Ditadura Militar, por exemplo.
Hoje li aqui no Facebook que as manifestações só tinham pessoas que ganharam dinheiro, transporte e sanduíches de mortadela. Além disso, a prioridade seria para mulatos e pardos. Isso é tão imbecil quanto dizer que nas manifestações contrárias ao governo só havia ricos.


 


Se essas multidões de hoje fossem formadas apenas por quem ganhou pão com mortadela, iria faltar mortadela no país por um bom tempo. Uma lástima, por sinal, pois um pão francês quentinho com mortadela bem fininha é um manjar dos deuses, até para os quatrocentões paulistanos que se despencam até o Mercado Municipal atrás da iguaria.
Houve ônibus para os manifestantes? Houve.
Os sindicatos levaram muita gente? Levaram
Os palanques foram pagos por alguém? Foram.
Mas as mesmas questões devem ser feitas em relação às manifestações oposicionistas.
Tipo:
Quem bancou a confecção dos pixulecos distribuídos a rodo para a multidão?
Quem pagou pelas dezenas de caminhões de som espalhados Brasil afora?
Porque o Metrô de São Paulo teve as catracas liberadas no domingo e hoje não?



O que as pessoas têm que perceber é que não se trata apenas do combate à corrupção (causa que uniria facilmente os dois lados). Há uma grande disputa pelo poder.
Não ver isso é querer se fazer de cego.
Repito o que já disse aqui diversas vezes.
Qualquer um que 
.
seja condenado com provas concretas de corrupção deve perder seu cargo e ser preso. Qualquer um. De qualquer partido. Ouvir alguém defender o Cunha porque assim fica mais fácil derrubar a Dilma fede a hipocrisia.
E deixo uma questão no ar.
Caso Dilma perca seu mandato, caso Lula se torne inelegível, a cruzada contra a corrupção continuará nas ruas? Faremos manifestações até que todos os demais corruptos entrem em cana? Temo que não, mas tomara que eu esteja enganado..



terça-feira, 15 de março de 2016

POESIA NUMA HORA DESSAS, SIM SENHOR...

Fiquei na dúvida se escrevia este texto.
O céu carregado dos últimos dias, o ceticismo instalado, os nervos à flor da pele, a desesperança... Será que numa hora assim dá para falar de algo poético?
Na dúvida, decidi que sim.
No último sábado tive a alegria de assistir a um dos mais singelos e belos shows dos últimos tempos.
Em “Cartola: um poeta da Mangueira”, a portelense de carteirinha Teresa Cristina revive os versos de Angenor de Oliveira, um baluarte da Música Popular Brasileira.


Quem não conhece direito a obra de Cartola pode até achar que exagerei na última frase, mas basta assistir ao show para se certificar de meu juízo (e de muito mais gente muito mais abalizada do que eu). As canções vão sucedendo, uma mais bela que a outra, uma mais conhecida do que a outra. Músicas que viraram sucesso nas vozes de outros sambistas e até na de quem só foi beber desta fonte bem depois, como Cazuza que, por sinal, era quase xará de Cartola. Se chamava Agenor e ao descobrir a quase coincidência se embrenhou pelo repertório do Angenor mangueirense levando para o público do pop nacional a poesia nascida no morro.

“Ouça-me bem, amor
Preste atenção, o mundo é um moinho
Vai triturar teus sonhos, tão mesquinho
Vai reduzir as ilusões a pó”
(O mundo é um moinho – Cartola)

Teresa Cristina foi muito feliz ao definir como seria a homenagem ao compositor. No palco, apenas ela e o violonista Carlinhos Sete Cordas. Nada mais era preciso.


A voz de Teresa e os acordes de Carlinhos encheram o Teatro Net Rio. Um teatro com apenas meia casa, apesar de todos os ingressos terem sido vendidos. O temporal daquela noite impediu que muita gente conseguisse chegar. Mas nem toda a chuva, nem todos os percalços foram suficientes para tirar o brilho da noite.
A cada composição, a constatação do valor da poesia em nossas vidas.

“Só você violão
Compreende porque perdi toda alegria
E no entanto meu pinho
Pode crer, eu adivinho
Aquela mulher
Até hoje está nos esperando
Solte o teu som da madeira
Eu você e a companheira
Na madrugada iremos pra casa
Cantando...”
(Cordas de aço – Cartola)

Como seria sem graça o mundo sem a música, sem as letras de Cartola... Um homem simples que soube, através de sua simplicidade, traduzir sentimentos tão complexos.
O clima era de uma comunhão tão grande que Teresa, no bis, atendeu ao pedido de um mangueirense da plateia e cantou “Sei lá, Mangueira”, uma ode à verde e rosa composta por outro portelense, Paulinho da Viola.

“Em Mangueira a poesia
Num sobe e desce constante
Anda descalço ensinando
Um modo novo da gente viver
De sonhar, de pensar e sofrer”

Saí mais feliz, mais leve e com a esperança de que tudo há de melhorar...

“Finda a tempestade
O sol nascerá
Finda esta saudade
Hei de ter outro alguém para amar
A sorrir
Eu pretendo levar a vida
Pois chorando
Eu vi a mocidade
Perdida”
(O sol nascerá - Cartola)

segunda-feira, 14 de março de 2016

A VOZ DA FILHA

Depois de um domingo como esse, a felicidade de ler o texto de minha filha de 18 anos, herdeira deste país. Orgulho da visão e da consciência do grave momento que vivemos. Que outras Claras se manifestem... Que jovens tragam um olhar menos viciado, um ânimo renovado para encarar tudo que ainda é preciso fazer pra tornar este lugar um bom país. Mais limpo e mais justo. Assino embaixo!

"Polêmica: isso que resumiu os últimos dias na política brasileira. Essa bipolaridade, esse mal de Guerra Fria, de rivalidade de time de futebol, assombra o cenário político nacional. Tudo é taxado como um verdadeiro conflito de dois lados, e somente dois lados. Ou se é completamente e cegamente a favor do atual governo (e suas gestões anteriores) ou se é radicalmente contra. 
Corrupção: outro mal que assombra esse país desde os primórdios de sua história. Mas infelizmente esse “luxo” não é só concedido ao Brasil, mas a muitos, se não posso dizer todos, os países do globo. Mas agora resolveram jogar tudo no ventilador, colocar a boca no trombone, gritar, prender, depor, escandalizar. Atitudes mais que certas eu diria, só que estariam mais certas se não fossem seletivas, facultativas, se não só investigassem quem interessa e sim todos que possuem (ou possam vir a possuir) o nome na reta.
A Crise: essa, tão falada tão repercutida, que nos assombra tanto, que deixa o dólar nas alturas e faz com que não haja investimento no país, é uma mera consequência política. Uma ferramenta que está sendo usada para abalar o atual governo. E não é de se espantar, afinal a economia é uma poderosa arma de guerra desde os primórdios do capitalismo. 
A Culpa: cai toda sob um partido, algumas pessoas. Acha, a sociedade brasileira, que a culpa é só do Lula, da Dilma, do PT. Esquecem que existem diversos outros políticos corruptos, partidos envolvidos em escândalos. Se o PT sair o país se livra de todo o mal. Será?
Esses quatro fatores mascaram, escondem quem nós realmente temos que lutar contra nesse sistema político atual. Quem está no poder e merecia, merecia não, merece ser tirado de lá. Políticos que vão além de corrupção e nome sujo. Políticos Inconstitucionais, que não respeitam a legislação desse país. Que vão contra minorias e liberdades individuais dos cidadãos. Políticos, xenófobos, racistas, machistas, preconceituosos, opressores e que acham que mandam e desmandam na vida e decisões individuais de cada um de nós. Viúvos da Ditadura Militar, desrespeitosos da lei. 
Políticos esses que estão contra o atual governo e que são taxados como os salvadores, os santos, os “mitos”, mas que na verdade só são a face de uma sociedade opressora que está farta de ver mais pessoas ganhando voz no país, sejam elas gays, pobres, mulheres, imigrantes etc. Políticos que se perduram no poder por anos e que tem um eleitorado forte que compactua com suas hostis palavras proferidas a cada discurso. 
A verdadeira luta vai muito além da luta contra corrupção. A verdadeira luta é em prol, em prol da política brasileira, em prol do bem dos indivíduos que residem nesse país, em prol da liberdade de expressão e outros direitos individuais. Em prol da igualdade seja de gênero, raça ou social, que simplesmente não existe no Brasil. 
Lutar contra a corrupção é necessário para a criação de uma política nacional melhor? É claro! Mas se temos que começar essa grande mudança por algum lugar, que seja tirando do poder quem realmente não merece estar ali. Que seja tirando do poder pessoas que não se quer respeitam os Direitos Humanos, que dirá tem capacidade para representar os mesmos. Pessoas que alertam contra uma ameaça comunista, uma ditadura dos trabalhadores que ficou enterrada em 1991 e por conta disso defendem que um regime autoritário que só prejudicou o país retorne a ativa. Pessoas que são representantes maiores de altas cúpulas do país e não se quer respeitam a constituição. Pessoas que não respeitam o Brasil e o cidadão brasileiro. 
O momento não é de apontar dedos pra uma ou duas pessoas do poder, dizer que todo o mal usa vermelho e fechar os olhos para todos os outros políticos existentes que proferem absurdos e recebem aplausos por isso. Não estou dizendo que Lula, Dilma e o PT são santos. Eles podem ser culpados e corruptos? Podem. Assim como pode Aécio, Cunha e outros membros de partidos que formam a atual oposição, e que assim como eles merecem ser investigados. 
Com todo e maior respeito a todos que foram às ruas hoje, afinal é de direito de todos ter liberdade de expressão e desejar manifestar-se, vestir verde e amarelo em um domingo nublado, bater panelas na varanda ou xingar de forma hostil, não a atuação governamental, mas a figura pública de quem está no poder, não adianta! A solução é uma reforma política, coisa que dá calafrios na sociedade brasileira, afinal tem gente que chama isso até de reforma comunista. 
Hoje nossos verdadeiros inimigos são os Cunhas, Bolsonaros, Malafaias da vida. São políticos que não respeitam o cidadão brasileiro. A luta contra corrupção é algo necessário, mas mais necessário é tirarmos do poder, da função de representar todos nós, quem aparentemente só deseja o mal do país e das pessoas que vivem nele."
Clara Casé

segunda-feira, 7 de março de 2016

PRA DESENGASGAR...



Fiquei quieto nesses dias.
Em momentos de ânimos tão exacerbados, falar algo é o mesmo que falar ao vento.
Não que agora, depois de parcialmente digeridos os fatos da última sexta-feira alguém vá parar para ler este “textão”. (E, não, não vou pedir desculpas por ele ser extenso. Essa é uma das melhores coisas que existem na Internet, espaço para expor suas ideias. E fazer uso dele não significa nenhum abuso.)
Li de tudo nesses dias, esbravejamentos de ambos os lados (se há que há apenas dois lados). “Das pessoas e dos petistas”, como diria um repórter de TV. Li também pensatas (e essas me interessam mais) sobre a atual situação do país.
Pensar se faz necessário. Muito mais do que dar ou replicar opiniões (“especialistas” virtuais pululam nesses momentos como bem lembrou Gregório Duvivier em sua coluna na Folha de S. Paulo). As pessoas precisam parar para pensar, raciocinar. É preciso ouvir seus pares, mas também os argumentos contrários. Mentor Neto (um cronista que sigo no Facebook) disse que as pessoas defendem o PT cegamente como um fanático torcedor de futebol, mas o fato é que o comportamento não é unilateral, os que querem Lula morto politicamente também são useiros e vezeiros deste comportamento.
Não sou petista, embora tenha votado no PT na maioria das vezes. Como não a cancelei, provavelmente ainda existe uma ficha de filiação partidária minha ao PSB, quando achei (muitos anos atrás) que esse poderia ser um partido que defenderia minhas ideias de um país mais justo.
Não sou Lula.
Sou favorável a um projeto político de maior atenção à população brasileira como um todo, incluindo aí a grossa fatia que vive bem longe do “sul maravilha”(com a licença do Henfil). Gente que sobrevive em condições de penúria em outro país, um país dentro do nosso e a maioria da população “esclarecida” não tem a menor noção da realidade que essas pessoas enfrentam.
Um dos graves problemas brasileiros (e não são poucos) é a falta de uma classe política confiável. Sempre, em nossa história, ficamos a reboque de figuras messiânicas. Getúlios, lacerdas, juscelinos, lulas... Seriam eles os guias que nos levariam a um mundo melhor. Quando na verdade o que deve ser escolhido é um projeto de governo, independente de quem esteja com a caneta. E é essa sanha de optar por nomes ao invés de programas que nos leva ao buraco em que estamos, pois no legislativo, seja em que esfera for, acabam figuras que fazem seu nome através de questões que transcendem um pensar político para o Brasil. Estão lá os assistencialistas, os pastores, os ruralistas, os laranjas, os testas-de-ferro, os sem representatividade que entram como lastro de candidatos supervotados, entre outros. E é assim há décadas, há centenas de anos. Um quadro político torto que abre as pernas para a corrupção. Um modus operandi que se eterniza seja qual governo que chegue ao poder.
A corrupção, como pode parecer para quem lê alguns colunistas, não nasceu no governo do PT. E isso não serve como desculpa para qualquer ato ilícito que integrantes do partido possam ter cometido. Mas o que mais me aflige é a postura de algumas pessoas que acreditam (ou querem acreditar) que o mundo voltará a ficar cor-de-rosa caso Lula fique inelegível ou que Dilma sofra o impeachment.
Ora, senhoras e senhores, o problema da corrupção no Brasil vai muito além e o que reclamo é que quem faz todo este alarde (leia-se: a grande mídia), prefere fingir-se de cega em outros episódios tão ou mais graves que ocorreram recentemente. Não fiz um levantamento formal, mas não me espantaria se constatassem que a construção de ciclovias pelo prefeito petista de SP teve muito mais centimetragem na Folha do que o escândalo tucano do metrô paulista. Os pesos e medidas diferentes é que não me descem pela garganta.
OK. Vamos dar um basta na corrupção? Contem comigo! Mas fechem as fronteiras e construam mais presídios, porque a faxina seria colossal.
Alguém realmente acredita que isso vá acontecer?
Será que a mídia (empresas de comunicação, que vivem de verbas publicitárias) estarão dispostas a tal engajamento? Entrarão como prioridade na fila de pautas o helicóptero da família Perrela carregado de cocaína, o desvio do dinheiro da merenda escolar de SP, o aeroporto da cidade mineira de Claudio, entre dezenas de outros casos acobertados ou simplesmente “esquecidos”?
Será que o judiciário será tão eficaz?
Será que nós, eleitores, vamos saber filtrar quem realmente merece legislar em nosso nome, de maneira limpa e honesta?
É óbvio que boa parte do Brasil não quer mais o PT no governo. Aliás isso estava claro já nas eleições, tanto que as mesmas foram extremamente acirradas. Mas o que para mim parece claro (e isso é apenas uma impressão, já que não sou especialista em economia ou rabos-de-arraia políticos) é que parte da sociedade (uma parte bem poderosa) decidiu que não quer correr o risco de que após Dilma venham mais 8 anos de Lula. Se a crise econômica aconteceu por conta disso, não sei dizer, mas todos devem lembrar que num quadro econômico estável, com taxas de emprego altas e com o dólar baixo, o escândalo do mensalão não “colou” e o PT se manteve no poder.
O futuro não é minha especialidade. O que vai acontecer no país daqui pra frente é uma grande incógnita.
As possibilidades são muitas, e algumas nefastas, como explica o jornalista Elio Gaspari (a quem tanto respeito): “Se o TSE cassar a chapa Dilma-Temer a partir de 1º de janeiro, deputados e senadores elegerão 30 dias depois o seu substituto, para concluir o mandato. Votam todos aqueles que estiverem no exercício de suas funções. Se continuarem nas cadeiras, Eduardo Cunha presidirá a eleição e Delcídio Amaral votará. Esse colégio eleitoral será composto por 594 pessoas. Deles, 99 têm processos à espera de julgamento no STF, e são 500 os inquéritos em andamento envolvendo parlamentares. Vinte e um anos depois da campanha das Diretas, o regime democrático brasileiro corre o risco de eleger indiretamente um presidente da República.”
Vindo o que vier vou continuar acreditando que isso aqui só vai melhorar quando realmente nos preocuparmos seriamente em ser um país para todos os brasileiros. Quando nos importarmos de fato com a igualdade social e no respeito aos direitos mais básicos como educação e saúde de qualidade para todos.
Vou continuar votando em quem pense assim, em quem prometa agir assim.

Quisera eu tivesse muitas opções de voto, mas esse dia ainda está bem longe de chegar.