quinta-feira, 3 de setembro de 2015

ESTUPIDEZ HUMANA


Fiquei na dúvida. 
Deveria ou não escrever sobre a criança encontrada morta numa praia da Turquia?


Muito já foi dito, porém, como a imagem mexeu demais comigo e como falar sobre o que aconteceu nunca será demais, resolvi colocar, aqui, algumas considerações.
Por mais que sejam graves os problemas, quando vemos que uma criança, que nem bem entende o que está fazendo neste mundo, é afetada, isso mexe muito mais conosco.
A imagem do corpo do menino sírio Aylan Kurdi, de apenas 3 anos de idade, estendido à beira-mar, entrará para a história do fotojornalismo de maneira trágica como tantas outras crianças que se viram em meio à estupidez humana.


A imagem da menina vietnamita Kim Phuc correndo em desespero após ser atingida por napalm despejado por um avião norte-americano, em 1972, jamais sairá de nossa mente. A própria menina, fotografada por Huynh Cong "Nick" Ut, da Associated Press e, hoje, uma mulher, disse numa entrevista, há pouco tempo, que "realmente gostaria de escapar daquela pequena menina. Mas parece que aquela imagem nunca me deixou ir".


Assim como esta foto tirada no Sudão, em 1993. Um menino, famélico tendo ao seu lado um abutre, que pacientemente esperava a morte de sua presa. A foto é de Kevin Carter. Uma perfeita metáfora sobre o avanço da fome no país e em boa parte do continente africano. Carter recebeu um prêmio Pulitzer por ela, mas as críticas que caíram sobre ele foram um fardo pesado demais. Diziam que, ao invés de ter tirado a foto, deveria ter ajudado o menino, deveria ter espantado o abutre. 
Pressionado pela culpa, Kevin acabou se suicidando. 














De acordo com uma reportagem, que li para escrever este texto, o menino teria sobrevivido, mas aquela situação impactou de tal forma o homem que a registrou, que talvez nem mesmo a notícia de que a criança sobrevivera acalmasse o coração estraçalhado do fotógrafo.

Muitos jornais optaram por publicar, em suas primeiras páginas, uma foto menos chocante, com a criança refugiada síria no colo de um policial. 
Foi assim nos jornais mais conceituados.



Aqui no Brasil, a maioria também optou por imagens menos explícitas, o que não foi o caso do Extra. Ao contrário de O Globo, do mesmo grupo editorial, optou por uma foto mais chocante.




Expor ou não a mais dura das fotos, na verdade, não é a questão. São opções editoriais e passam por decisões jornalísticas e mercadológicas.
O que choca é o fato da foto ter existido. O que choca é que o drama dos refugiados não estaria gerando tanta comoção ontem e hoje se a vítima não fosse uma criança.
Vivemos em constantes guerras, conflitos, violentas cruzadas religiosas que matam centenas de seres humanos todos os dias. Seres tão humanos quanto o menino Aylan Kurdi, mas que jamais chegarão às primeiras páginas.


sexta-feira, 28 de agosto de 2015

EL VIEJO SOÑADOR

"Não sabendo que era impossível, foi lá e fez"

A frase é do cineasta francês Jean Cocteau que, se não tivesse morrido em 1963, bem poderia tê-la utilizado para descrever o trabalho de Pepe Mujica como presidente uruguaio.

A figura do rechonchudo senhor, de cabelos e bigodes grisalhos, está muito mais para a de um avô bonachão do que para o mandatário de um país. E mesmo assim Pepe Mujica talvez tenha sido uma das mais importantes figuras políticas mundias deste começo de século XXI.

No pequeno Uruguai, onde, reza a lenda, há mais bois do que gente, ele implantou uma série de medidas que ninguém imaginava possíveis, pelo menos na cristã América Latina, tão arraigada a valores morais empoeirados.

Mas não foi sua luta para dar mais moradias às famílias carentes que o fez especial, tampouco a legalização dos casamentos entre pessoas do mesmo sexo,a liberação da maconha ou a legalização do aborto no país. Também não foi o fato de abrir mão de 90% de seu salário, de circular no seu fusquinha e criticar o consumismo exacerbado dos dias de hoje.




O que faz de Pepe Mujica, aos seus 80 anos de idade, uma pessoa ímpar é sua crença inabalável numa sociedade melhor e mais justa.

Esse posicionamento, que beira o utópico, fez com que milhares de pessoas lotassem a concha acústica da Uerj na noite da quinta-feira, 27 de agosto. Isso sem contar as outras tantas que estavam num dos estacionamentos da Universidade assistindo à fala do uruguaio por um telão.





Gente teimosa como ele (e como eu) que acredita que tudo pode ser melhor; que crê que a democracia vai ser sempre a melhor maneira de governar para todos; que não desiste de sonhos.

Hoje, na Internet, algumas de suas frases foram repetidas quase como mantras, como se grandes pensamentos fossem.

“ A liberdade não se vende, a liberdade se ganha, e se ganha fazendo alguma coisa pelos demais. Isso se chama solidariedade (...) Sem solidariedade, não há civilização.”

“Não podemos querer o desenvolvimento com dor, com angústia. Queremos o desenvolvimento com felicidade para todos.”

“Não há homem insubstituível, há causas insubstituíveis. E essas causas precisam de defesa coletiva e organizada de homens. Nós seres humanos somos gregários, necessitamos de ferramenta coletiva para modificar a realidade.”

“Para deixarmos de ser frágeis, não há outro caminho do que nos juntarmos com nossos iguais.”

Na verdade, não o são. São, sim, reflexões de um homem que muito já viveu e que passou 14 anos de sua vida preso por ter lutado por seus ideais. Ideais que estão dentro de mim, de você (provavelmente) e dentro das milhares de pessoas que foram até a Uerj.

Pepe Mujica, aos 80 anos, nos fala ao coração porque nos faz sonhar. Ou melhor, porque nos faz voltar a acreditar em sonhos.

segunda-feira, 17 de agosto de 2015

PERSONAGENS IMAGINADOS

A expressão é clichê: “Um livro é sempre muito melhor do que um filme”. Concordando ou discordando, pelo menos devemos admitir que a leitura de um bom romance mexe muito mais com nossa mente do que qualquer “fita” de Hollywood.
No filme está tudo ali, prontinho para ser consumido, por mais rico e surpreendente que seja, já a leitura nos faz exercitar a imaginação, visualizar cenários, idealizar os personagens.
Quando um livro é adaptado para o cinema e você não o leu, tudo bem. Você aceita na boa a caracterização imposta.
Por exemplo, eu nunca tinha lido nenhum livro do Harry Potter antes de acompanhar a série cinematográfica. Para mim, para todo sempre, Harry Potter será Daniel Radcliffe.


Mas quando acontece o contrário, nem sempre o ator escolhido corresponde à imagem que você tinha concebido.
No caso do Código Da Vinci, gostei da escolha de Tom Hanks. Casou bem com o professor Robert Langdon que eu imaginara. Talvez porque Hanks seja um daqueles atores camaleônicos que, tal como Johnny Depp, se moldam a qualquer personagem.


Mas lendo uma reportagem sobre a série de TV que vai levar os livros de Luiz Alfredo Garcia-Roza para a telinha, me decepcionei com o ator escolhido para interpretar o intrépido Delegado Espinosa, titular da 12ª DP, de Copacabana. Não pela qualidade do ator Domingos Montagner, um dos melhores surgidos nos últimos tempos, mas é que, sendo um voraz leitor da saga de Espinosa, já tinha sua imagem definida em minha imaginação.


Para mim, o Delegado seria um cara um pouco mais velho, com uma leve calvície e um físico um pouco mais relaxado (afinal ele não para de comer kibes e esfihas do Baalbek, na Galeria Menescal, ou massas na La Tarttoria). Um coroa boa pinta.
Só espero que a série não me decepcione. As histórias são muito boas e o personagem muito bem elaborado para serem pasteurizados televisivamente.



Estarei na torcida.

PS: Na reportagem havia, ao menos, uma boa notícia. Ano que vem teremos mais uma aventura do personagem de Garcia-Roza.

segunda-feira, 10 de agosto de 2015

ARQUEOLOGIA URBANA

As fotos são da rua da Constituição, que liga a Praça Tiradentes e o Campo de Santana (ou Praça da República), no centro do Rio. Por conta das obras de implantação do VLT (Veículo Leve sobre Trilhos) surgiram dois pedaços da história da velha rua.



O calçamento com grandes e irregulares pedras, provavelmente do tempo em que era conhecida como rua dos Ciganos (onde por ordem do governo se concentravam as pessoas daquela origem na cidade). E os trilhos dos velhos bondes que por ali passavam, já depois da rua ser batizada com o atual o nome, o que se deu durante o Primeiro Reinado.





quinta-feira, 30 de julho de 2015

HUMANIDADE, LADEIRA ABAIXO...

Acordei, hoje, com uma triste e grave notícia. Um duro golpe contra a integridade moral da raça humana.
Um trem, deliberadamente, passou sobre o corpo de um homem, previamente atropelado por outra composição e que tinha ficado caído sobre uma das linhas, perto da estação de Madureira.
Não foi preciso assistir ao desumano ato, cortado (graças a Deus) pelos editores da TV Globo, para me chocar com o fato, pois só a imagem do fiscal da linha férrea ordenando que o maquinista seguisse por sobre o falecido já era suficientemente absurda.
Um exemplo da decrepitude do ser humano.


Não falo nem de aspectos práticos como o da determinação policial de que não se mexa num cadáver até que a perícia seja realizada; falo sobre a ausência total de sensibilização com aquela situação.
Se um saco de lixo estivesse obstruindo a linha, talvez os funcionários o tivessem retirado, mas não era. Se tratava "apenas" de um semelhante.
Sinceramente, não consigo nem conjecturar o que se passava na cabeça do fiscal e na do maquinista. Talvez tenham pensado apenas em evitar mais um atraso da sempre atrasada Supervia, e ponto final.
Mas ficam as perguntas no ar:
Como conseguiram se comportar de forma tão fria?
Como conseguiram dormir à noite?

Como diria uma amiga: "Convoquem o meteoro, porque o prazo de validade dos humanos já venceu"

.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

18 ANOS

Você se lembra de quando completou 18 anos de idade?
Provavelmente, sim...
Eu me lembro bem.
Naquela época (falo do início dos anos oitenta), acho que fazer 18 anos tinha mais significados do que hoje.
Lembro que no dia 17 de março de 1981 fiz duas coisas, até então, proibidas. Fui assistir a um filme impróprio para menores de 18 e pedi uma cerveja na pastelaria que tinha bem perto da minha casa. Não que eu não bebesse antes. Acho que o ano de 80 foi aquele no qual eu mais bebi. Não em quantidade, mas em dias “bebidos”. Foram muitas as noites regadas a chopp (um, dois, ou três, de acordo com a disponibilidade monetária) junto com amigos de colégio. Barril 1800 e Jangadeiro, em Ipanema, eram os preferidos da turma. Mas a dona da pastelaria, que me conhecia há muitos anos, não deixava que me servissem bebida alcoólica, como rezava a lei. Por isso mesmo, no dia em que a nova idade chegou, fiz questão de pedir uma minissaia da Brahma (Alguém hoje ainda lembra delas? Era um tipo de avó da long-neck, só que rechonchuda).



Outro fator também marcou meus 18 anos. Tinha acabado de entrar na Faculdade e nem podia imaginar o quanto minha vida mudaria dali pra frente. Mudanças para melhor, graças a Deus.
Conheci grandes amigos, descobri novos horizontes, novas possibilidades, ou seja, cresci.



Pois bem, no sábado, dia 26 de julho de 2015, é minha filha, Clara, quem faz 18 anos. E eu me pego aqui escrevendo essas linhas, numa tentativa de encarar tal fato.
Não vejam neste texto qualquer resquício de saudosismo ou de lamúrias do tipo “ainda noutro dia ela era um bebê”. Muito pelo contrário. O texto é uma celebração. A celebração de uma passagem que, apesar de ser uma mera convenção de nossa sociedade, tem seu simbolismo.
O horizonte aberto que se apresentava a mim, mais de três décadas atrás, agora se descortina para ela e isso é um bocado inspirador.
Afinal, tão importante como os primeiros passos, as primeiras palavras, os quais acompanhei com encantamento, são os outros passos que se seguirão, as outras palavras que virão.
E chego a este momento com um enorme sentimento de confiança, pois vejo que minha filha se uma pessoa inteligente, sensível, consciente, companheira... Um ser do bem.
Um amor que a vida me deu de presente
Eu, como pai, estarei sempre por perto, não para interferir, mas para apoiar quando necessário for.
E sempre na torcida para que os caminhos que serão trilhados daqui pra frente sejam os melhores que se possa desejar.

terça-feira, 21 de julho de 2015

SE NÃO VOU ATRÁS DO LIVRO...

Já tinha me acontecido uma vez. Há muitos anos, no século passado... Estava hospedado em um hotel perto da estação Santa Lucia, em Veneza. (Abro parenteses para não deixar de dizer que a paisagem do Grande Canal quando se desembarca em Veneza, pela primeira vez, é algo de indescritível e, por isso mesmo, não vou tentar descrever aqui. Só aconselho àqueles que pretendem conhecer a cidade a chegarem de trem e não de avião).
Mas voltando à história que eu estava contando, num determinado dia, dando umas voltas pelos arredores, dei de cara com um livro com as mais famosas obras de Salvador Dalí.



Tinha, nessa mesma viagem, visto uma mostra do ensandecido artista espanhol em Zurique e virara fã de vez.


A tentação de levar para casa as reproduções dos quadros que havia visto era grande. O preço não era alto (na época ainda em Liras, pois não havia o Euro). Porém, mais pão-duro do que duro, abdiquei da compra.
É lógico que mal deixei Veneza, o peso na consciência me abalroou.
Pensava em como havia sido estúpido por deixar aquela oportunidade passar. Mas, nada mais podia fazer. Página virada...
Dois anos depois, já ao lado de Fernanda, minha mulher, com quem ainda namorava, fui novamente à Europa e, novamente, a Veneza. Desta vez nosso hotel ficava mais pros lados da ponte de Rialto. No entanto, numa caminhada por aquelas vielas e pontes, fomos parar perto da estação e a lembrança do livro foi inevitável. Resolvi ir até a livraria e, para minha surpresa, lá estava ele, ou, pelo menos, outro igualzinho.
Não tinha como não comprá-lo, mesmo viajando de mochilão. Minhas costas que reclamassem depois. Não deixaria passar aquela oportunidade pela segunda vez.
Relembro este caso porque, recentemente, me aconteceu algo parecido.
No início de 2014, estava eu perambulando pela Oxford Street, em Londres, fazendo hora, enquanto minha mulher, minha filha e minha mãe se aventuravam na Primark (loja barateira de lá) pela enésima vez. Eis que me surge uma livraria, programa, aliás, sempre muito bem-vindo.
No subsolo me deparei com aquelas tentadoras bancas de saldos e, numa delas, com um livro que reunia os trabalhos do grafiteiro Bansky, pseudônimo do britânico Robert Banks. Grafites que misturam humor negro e crítica social e que muito me agradam. Preço: 10 Libras Esterlinas (uns 35 reais, na época).




No entanto, como já estava ali há algum tempo, resolvi encontrar a mulherada na loja (pois não estávamos com celular) e depois voltar ao local para arrematar o livro.
Só que ao sairmos da Primark, começou a cair um toró e na ânsia de pegarmos um ônibus para nos abrigar, acabei esquecendo da livraria, de Bansky e do livro.
Vivi uma sensação de déjà vu, bem parecida com aquela do Dalí de Veneza, pois aquele era um dos últimos dias da viagem e não tive oportunidade de voltar à livraria.
Contudo, no mês passado, recebi um e-mail com o anúncio de uma liquidação da Livraria Cultura e ao clicar no link, qual livro encontro em meio a tantos outros oferecidos? O Bansky, em sua edição em português, e por míseros 20 reais.
Comprei-o.
O mais legal é que dessa vez não precisei correr atrás do livro; ele é que encontrou um forma tortuosa de chegar até mim.
Bansky já está lá em casa, bem perto de onde se encontra Dalí.
Boa companhia nunca é demais.

sexta-feira, 17 de julho de 2015

CURTINDO UM SOM

Costumo dizer que sou movido a música. Estou sempre ouvindo, cantarolando, assoviando. Isso me faz um apreciador de boa música (pelo menos para o meu gosto) e também um consumidor ávido.
O conceito de consumo, no entanto, em tempos digitais, mudou um bocado.


Já tive muitos vinis; muitos mesmo. Para adequar gosto tão custoso ao meu pífio orçamento, apelava para os sebos de discos. Uma garimpagem que me fez conhecer muita coisa boa e outras nem tanto, é claro. Mas pelo preço de um disco novo era possível comprar uma dúzia de usados. Uma oportunidade sem par para alguém que, como eu, aprendeu desde cedo a ser “chepeiro” e bom negociador com minha mãe, Dona Irene.
Com o acúmulo de vinis, um problema surgiu: a falta de espaço.
Quando fui morar em um conjugado, já casado, o problema se agravou e comecei a buscar alternativas. Investi numa sedutora tecnologia da Sony, o MiniDisc, um tipo de CD regravável que vinha dentro de um envólucro plástico, mais ou menos como as XDs de vídeo de hoje em dia. Prometiam uma qualidade de som e uma durabilidade muito maiores do que as velhas fitas cassete. Investi na coisa, que não era barata, porém, ocupava muito menos espaço. Passei meus vinis para os disquinhos, com todo os seus estalos e chiados do meio analógico. 


Só que novas tecnologias surgiram e os MDs se tornaram carta fora do baralho. Os gravadores de CD começaram a ficar baratos. A portabilidade do CD também facilitava. Disc-mans e CD players em carros nos ajudavam a ter nossas músicas onde quer que estivéssemos.
Passei, então, a acumular os reluzentes CDs. Mas, apesar de menores, logo me trouxeram o mesmo problema das velhas “bolachas”: CDs demais para espaço de menos, mesmo num apartamento maior.
O MP3 veio para me salvar. Passei cerca de 80% de meus CDs para um pen-drive (com o indispensável back-up no PC) e os vendi a preço de banana em sebos. Com isso, tenho algumas milhares de músicas armazenadas num pequeno dispositivo. Uma discoteca que ocuparia estantes e mais estantes, além de ácaros em profusão.



Os CDs de que mais gosto, por questões musicais ou sentimentais continuam comigo, embora compre cada vez menos. Lembro que logo que abriu a FNAC, um dos meus programas favoritos era ficar horas por lá descobrindo coisas novas.
Hoje, sou adepto do compartilhamento através da grande rede. Abro minha discoteca e busco o que quero na dos outros. Alguns chamam isso de pirataria, eu chamo de cultura colaborativa.
No entanto toda esta praticidade roubou um pouco de um velho hábito, o qual retomei com recentes aquisições musicais. O costume de ouvir um mesmo disco, e só ele, várias e várias vezes, destinando maior tempo para cada faixa, reparando em arranjos, na poesia das letras.
Nos tempos do vinil, quando a oferta era menor e a grana curta, fazia muito isso. Sabia de cor a ordem das músicas, além de todas as letras. Não sei como alguns deles permaneceram inteiros depois de tantos giros na vitrola.
Três CDs recentes me fizeram relembrar esse prazeroso hábito: Saudações Egberto, de Délia Fischer (só com músicas de Egberto Gismonti); Corpo de Baile, de Mônica Salmaso (com composições de Guinga e Paulo César Pinheiro) e Carbono, do sempre muito bom Lenine.
Aconselho a experiência tripla.

Garantia de momentos de grande deleite auditivo.   

quinta-feira, 2 de julho de 2015

DIREITA VOLVER

Lutas de vale-tudo, apesar do nome, têm regras.
Até o Jogo do Bicho, que é contravenção, tem regra. Vale o escrito.
Só não há regras para o presidente da câmara (minúsculas propositais) que ignora as regras do Parlamento e usa livres interpretações de vírgulas, alíneas e parágrafos conforme seus interesses e da bancada mais conservadora dos últimos tempos.


Ontem no apagar das luzes ele recolocou em pauta uma questão já derrotada em plenário e conseguiu reverter o resultado do dia anterior. Já tinha feito isso em relação aos financiamentos privados de campanha.
Veja a declaração do próprio após a manobra:
"Eu duvido que alguém tenha condições de tecnicamente me contestar uma vírgula"
Capitaneados por um sujeito ávido por poder e com uma reputação mais manchada do que chão de oficina, esses pretensos representantes do povo vão amassando, tal qual um rolo compressor, os vestígios de democracia que ainda restam em nosso país.
Quer saber mais sobre os processos contra o presidente da câmara? Leia aqui:
Você pode até ser a favor da redução da maioridade penal, mas por favor, não aplauda este tipo de atitude do congresso. Hoje a decisão pode ser favorável a seus interesses, mas amanhã pode vir algo bem pior (e não estou sendo catastrofista).
Se a sociedade aceitar calada as manobras, corre o risco de ver nossa democracia ruir.


As raposas tomaram conta do galinheiro.
Será que vamos esperar que não haja mais um ovo sequer para começarmos a tomar alguma providência.

quarta-feira, 1 de julho de 2015

VENCEMOS! E AGORA????

A Câmara de Deputados rejeitou a PEC 171 que, entre outros pontos, determinava  a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos em casos de crimes graves. Não foram obtidos os 308 votos necessários para ratificar a decisão tomada por uma comissão de deputados.
Os grupos contra a redução, incluídos os milhares de jovens que foram a Brasília fazer pressão, comemoraram.
Eu comemorei.





Mas a questão continua em aberto.
Não é porque não se reduziu a maioridade penal que a briga acabou. Muito pelo contrário, ela está apenas começando, isso é, se quisermos realmente avançar nesse tema.
O lema "mais escolas, menos prisões" tem que ser muito mais do que uma pichação em um muro.
A sociedade não pode ver esta questão como uma queda de braço. 


Quem defende a redução quer mais segurança, como todos nós. E já que a legislação não será mudada, algo tem que ser feito, não é?
Acredito que todos os setores da sociedade deveriam se unir em busca de soluções. Aproveitar essa mobilização para que o tema não caia no esquecimento, pelo menos até que uma nova vítima venha levantar a poeira que paira sob e sobre este grande tapete chamado Brasil.

Abaixo, um trecho de uma postagem do deputado Jean Wyllys sobre essa questão:

"...Hoje devemos celebrar, mas amanhã temos que continuar trabalhando... A insegurança pública não vai ser reduzida magicamente, da noite para o dia, com leis penais e mais polícia. Esse tipo de "solução" é uma mentira. Não funciona em nenhum lugar do mundo. E é uma maneira desumana e egoísta de encarar o problema. A violência e a insegurança não vão ser reduzidas senão como consequência da redução da desigualdade, da ampliação da cidadania e da garantia de direitos e oportunidades de viver uma vida digna... Redução não é solução, mas há soluções. Há soluções que demandarão tempo, dinheiro e políticas de curto, médio e longo prazo. E se não quisermos que a demagogia punitiva e o pesadelo orwelliano se imponham no futuro, precisamos encarar o problema de fundo com soluções de fundo. Não apenas para vivermos mais segur@s, mas principalmente para vivermos numa sociedade mais justa."

O problema não é só de uma fatia da população que se sente ameaçada. É de toda a sociedade brasileira. Ou alguém acha que o envolvimento com o crime se dá por gosto? 
Ok, podem existir exceções, mas o fato é que a nossa realidade empurra centenas de jovens para esse caminho. 
E não me venham dizer que estou sendo paternalista... 
Estou sendo realista.
É fácil criticar refastelado numa confortável poltrona ou "decidir" os rumos da nação numa rodada de chopp com os amigos. Mas as soluções vão muito além disso, como lembram as palavras do escritor e humorista Gregório Duvivier:

"...Não adianta intervenção militar, não adianta blindar todos os carros, não adianta reduzir a maioridade penal (SPOILER: isso nunca adiantou em lugar nenhum do mundo). Sabe por que os milionários americanos doam tanto dinheiro? Não é por empatia pelos mais pobres. Tampouco tem a ver só com isenção fiscal. Doam porque sabem que, quanto mais gente rica no mundo, mais gente consumindo e menos gente esfaqueando por bens de consumo. Um pobre menos pobre rende mais dinheiro para você e mais tranquilidade nos passeios de bicicleta. A gente quer o seu (o nosso) bem. É melhor ser a elite de um país rico do que a de um país pobre."

Resumo da ópera: se não aproveitarmos o momento para realmente buscar soluções, nenhum dos lados(e são muitos)sairá vencedor, mesmo achando que venceu.



quinta-feira, 25 de junho de 2015

FAMOSOS: VIVOS OU MORTOS (2)



Hoje recebi uma sugestão de leitura enviada pela Juliana Viegas. Trata-se de um artigo do El Pais afirmando que Cristiano Araújo, o cantor sertanejo morto ontem e que ocupou boa parte da programação das TVs brasileiras era, sim, uma celebridade.
De acordo com o artigo, ele possuía seis milhões de seguidores nas redes sociais, o que, com certeza é um dado relevante.




O texto que, inexplicavelmente, não é assinado, embora bastante opinativo, afirma que aqueles que não conheciam Cristiano Araújo (e não Ronaldo) vivem numa bolha onde apenas habitam velhos ícones da MPB ou sucessos do pop internacional. Ou seja, não conhecem o Brasil em que vivem...
Concordo que existe muita gente boa por aí que ninguém conhece, simplesmente porque não há espaço na mídia formal. Noutro dia fui ver o show de um excelente grupo vocal chamado Ordinarius e que só conheci graças à postagem de alguém no FB (eles têm fanpage, caso alguém queira conhecer). Existem cantores e compositores regionais que jamis alcançam a grande mídia e, mesmo assim, sobrevivem com o que a música lhes provê.
Lembro dos tempos em que trabalhava na TV Manchete (há um quarto de século) e recebia um impresso com oferecimento de shows de duplas sertanejas e grupos regionais dos quais jamais havia ouvido falar, mas que conseguiam o ganha-pão em festas, clubes e ginásios país afora.
Hoje, o cenário mudou muito. 
Venda de CD não dá mais o lucro que dava antes. São os shows que sustentam muitos artistas. A música quando não é consumida através de downloads sem custo, pode ser comprada online. 



O público das grandes mídias tradicionais também mudou radicalmente.
Vamos pegar a TV como exemplo, já que numa emissora trabalho. 
A TV aberta tem cada vez menos audiência nos grandes centros urbanos. O cabo, o satélite, a internet, tudo isso roubou telespectadores. Em compensação, o mercado ganhou novos segmentos consumidores , aquele que a própria imprensa chamou de nova classe média. Um segmento que a mídia, até bem pouco tempo elitizada, tenta alcançar, agora, de toda forma. O público do interior do Brasil também se tornou alvo, já que tem uma oferta de conteúdo televisivo bem menor do que as grandes capitais.
Na teledramaturgia isso fica claro. Núcleos das novelas têm, cada vez mais, comunidades carentes ou cidades pequenas como seu habitat.





Na música se dá o mesmo. 
O gosto musical desses dois segmentos passaram a ser o carro-chefe. 
O funk e o sertanejo estão aí pra não me deixar mentir. Anitas, Mcs Ludmilas, Victores, Léos e Michéis Telós brilham na mídia televisiva e radiofônica. 
Uma coisa vai puxando a outra como o cachorro que corre em busca do próprio rabo.
Você pode gostar, você pode não gostar, mas é o que temos para hoje. E enquanto as gravadoras estiverem mantendo seus lucros, nada mudará.
Apesar de todas essas colocações, contudo, continuo achando absurdo o tempo dispensado pelas TVs para o caso da morte do sertanejo, mesmo ele tendo os tais seis milhões de seguidores.
As medições do IBOPE minuto a minuto evidentemente sustentaram a decisão das emissoras, que foram esticando, esticando, esticando o assunto, até não poderem mais. Uma atitude que parece até título de filme antigo: “Os caçadores dos pontos (de audiência) perdidos.





Sem medo de ser taxado como integrante da “bolha cultural”, opino: carregaram na tinta.
E digo mais: farão de novo.

FAMOSOS: VIVOS OU MORTOS







Não sou fã de sertanejos. Universitários só conheço aqueles para quem dou aula. Portanto não me espantei de não saber quem era o cantor tão nacionalmente famoso que tinha morrido em um acidente de carro. 
Ou será que ele não era tão famoso assim???
Claro que era! Não era?




As TVs (inclusive a Globo) ficaram horas repercutindo o caso.
Isso só se faz quando alguém de enorme expressão na vida nacional morre. Portanto não há do que reclamar... Ou há?
No afã de repercutir o caso, Globo e Record mataram até o craque português Cristiano Ronaldo. 



Aliás, se fosse o CR7 que tivesse morrido, qual seria a repercussão?
É como diz o ex-aluno e, hoje, colunista de TV, Fernando Borges: "Se a Globo cortou a 'Sessão da Tarde' para fazer a cobertura da morte do Cristiano Araújo, imagina quando morrer o Roberto Carlos? Vai ser um mês inteiro de especiais com as mesmas músicas."
PS: Se eu fosse o portuga, passava numa rezadeira.

domingo, 21 de junho de 2015

TRISTES EXEMPLOS

Vivemos tempos muito difíceis. Ou tempos irracionais , como bem classificou Gilberto Scofield Jr. no FB.
Tempos de intolerância e de total desrespeito com a opinião do contrário, com suas crenças, com seus pensares...
Só hoje surgiram mais dois exemplos. A grotesca pichação com ameaças ao apresentador Jô Soares pelo "pecado mortal" de ter feito uma entrevista com a presidente Dilma, e o assassinato de um médium dentro de um centro espírita, no Rio de Janeiro. 



E por que, de repente, esse clima de intolerância cresceu tanto?
Me parece que tem gente se aproveitando do clima de instabilidade do país para insuflar radicalismos e isso é perigoso demais...
A História está aí para não nos deixar esquecer.
Não consigo deixar de me espantar ao ver parlamentares cantando "Eu sou brasileiro, com muito orgulho, com muito amor" ao aprovarem a redução da maioridade penal numa comissão do Congresso.



Me choca ler que uma menina que já tinha sido apedrejada pelo simples fato de frequentar um centro de Candomblé, ainda ser ofendida moralmente ao ir na delegacia fazer exame de corpo de delito.



E me envergonha ver um marmanjo, cheio de marra, casaco camuflado e bonezinho com bandeira do Brasil humilhar dois haitianos que estão legalmente no Brasil por "acreditar" que eles fazem parte de uma tática de infiltração de estrangeiros para um golpe comunista no país.



Tudo bem, existe a catarse, mas ela não é gratuita, e sim provocada.
Grupos adeptos do "quanto pior melhor" acreditam que, dessa forma, podem se favorecer mais adiante.
O que não dá é aceitar tudo isso como se fosse normal.
Não é possível ficar calado diante de tantos exemplos de intolerância, até porque eles podem gerar reações contrárias e aí o bicho pegaria de vez.
Desculpem a citação "lugar comum", mas ao pensar em tudo o que está acontecendo, o texto de Bertold Brecht, em "No caminho, com Maiakowski", não me sai da cabeça.
"Tu sabes,
conheces melhor do que eu
a velha história.
Na primeira noite eles se aproximam
e roubam uma flor
do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem:
pisam as flores,
matam nosso cão,
e não dizemos nada.
Até que um dia,
o mais frágil deles
entra sozinho e nossa casa,
rouba-nos a luz e,
conhecendo nosso medo,
arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada."