domingo, 6 de novembro de 2011

Quem será o próximo???



Este domingo, 06 de novembro, começou com uma trágica notícia: a morte em serviço do cinegrafista Gelson Domingos, de apenas 46 anos. Ele foi atingido por um tiro de fuzil no peito e não conseguiu chegar com vida ao hospital.
Gelson era um desse corajosos profissionais que colocam a vida em risco pela notícia.

 Ele é esse, de azul, atrás dos policiais.
















O que pode parecer um elogio, no entanto, ao meu ver, soa como um ato insano.
Em vinte e poucos anos de jornalismo televisivo, já vi imagens impressionantes feitas por esses caras. Sei o quanto eles se dedicam em busca do melhor ângulo, em busca dos melhores flagrantes.
Já ouvi dezenas de histórias, contadas por eles próprios, de como escaparam com vida de situações em que tudo parecia perdido. E sempre havia, nesses relatos, uma ponta de orgulho por terem cumprido a missão e terem voltado sãos e salvos.
Sei que quando a adrenalina sobe, repórteres e cinegrafistas (e fotógrafos) entram naquele clima e, até mesmo por uma questão de sobrevivência, em meio ao conflito, agem mais como soldados do que como jornalistas. Só que soldados e policiais são treinados para isso; essa é a função deles.
Alguém dirá que também é a função do repórter e é aí que eu discordo.
A função do jornalista é noticiar, não correr risco.
No meu entender, não há a menor necessidade de entrar na linha de tiro. A informação pode, e deveria, ser dada de um local seguro.
Mas e a espetacularização da notícia como fica?
E os programas e telejornais que tem a audiência movida por tiros e sangue, como ficam?
E eles são cada vez mais...
No Rio, a briga pela audência parece passar obrigatoriamente por um formato de jornalismo (se é que podemos chamar assim) surgido nos anos 1980, no qual repórteres corriam atrás de policiais e subiam morros com suas narrativas ofegantes (às vezes gravadas depois, numa farsa sem par).
Uma triste involução.
Naquele tempo, porém, o crime organizado, não era tão organizado como hoje. E o poder de fogo dos traficantes não chegava nem aos pés do atual.
E tudo isso, pra quê? Será que o telespectador exige este tipo de espetáculo ou será que o acostumamos a isso?

Depois da morte de Tim Lopes (e este caso é bem diferente) uma série de cuidados passaram a ser tomados. A ordem, na TV Globo, era de que nenhum repórter poderia mais subir em favelas. Os carros usados em coberturas mais perigosas eram blindados e os repórteres passaram a ser obrigados a usar coletes à prova de balas.
Um acordo entre o sindicato e as emissoras garantiu essa obrigatoriedade, mas segundo o próprio sindicato, os equipamentos não protegem tanto o quanto deveriam. Veja o link:
http://ultimosegundo.ig.com.br/brasil/rj/sindicato-dos-jornalistas-responsabiliza-band-pela-morte-de-cinegrafistas/n1597355903795.html

Na prática, o que acontece, também, é que vários repórters e cinegrafistas acabam optando por não usar o colete, seja pelo peso (o usado pela Globo pesa cerca de 18 quilos), seja por uma errônea sensação de imunidade.
De acordo com a TV Bandeirantes, Gelson estava usando colete na hora em que recebeu o disparo, mas isso não foi o suficiente para impedir que a bala de fuzil o matasse.
As terríveis imagens em que o cinegrafista filma, inclusive, o homem que efetua o disparo, foram divulgadas pela emissora e já se espalharam pela rede:














O atirador está atrás do poste.

http://www.youtube.com/watch?v=IsDYti8lNcA

A Band, em nota oficial, se isenta de culpa dizendo que o cinegrafista tinha grande experiência e que o colete usado por seus profissionais é aprovado pelas Forças Armadas.
Para mim, o erro não está aí.
O erro está no tipo de jornalismo que praticamos. Está nos apresentadores que se travestem de defensores da população na forma de justiceiros eletrônicos. Está na glamurização do crime. Está na exibição de imagens como as que Gelson fazia no momento em que morreu. Está no fato de usar profissionais como bucha de canhão na caçada por índices de audiência.
Pode parecer que estou exagerando, mas será que tudo não passa de um arroubo meu?
Hoje li depoimentos de vários profissionais que trabalham nas ruas e que são levados por suas chefias a se arriscarem, de forma explícita ou subliminar (afinal, se você não quiser fazer, vai ter uma fila formada por aqueles que se dispõem a isso). Nas palavras que lia, estava a constatação da vulnerabilidade, da incerteza, do temor.
Mas eles seguem nas ruas. Seguem fazendo suas matérias, mesmo que balas assoviem perto de seus ouvidos.
Oremos, pois, para Nossa Senhora da Reportagem, mas com a consciência de que, com tanta gente se arriscando dessa forma, nem uma santa consegue dar jeito.